Projeto da Vale com grupo alemão é nova ameaça ambiental

Consórcio formado pelo grupo alemão ThyssenKrupp Stahl e pela Companhia Vale do Rio Doce prevê a construção de uma nova usina às margens da baía de Sepetiba. Dragagem de lama pode colocar em recirculação metais pesados
Maurício Thuswohl
 11/05/2006

Sinônimo de agressão ambiental, a Baía de Sepetiba, localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, volta a ser motivo de disputa entre o setor empresarial e as organizações ambientalistas e representativas dos pescadores que trabalham e vivem na região. Desta vez, a preocupação da sociedade civil está voltada para um projeto da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA, consórcio formado pelo grupo alemão ThyssenKrupp Stahl e pela Companhia Vale do Rio Doce) que prevê a construção de uma nova usina às margens da baía. Para escoar a futura produção, o plano prevê também a construção de um porto e, para construí-lo, a CSA quer realizar a dragagem de uma parte do fundo da baía e depositar os rejeitos em áreas mais profundas. O projeto é qualificado pelos ambientalistas como a mais nova ameaça de agressão à baía.

Os críticos do projeto afirmam que, ao tentar dragar a imensa quantidade de lama do fundo do mar necessária para poder dar espaço à circulação de embarcações em seu terminal marítimo, a CSA estará recolocando em circulação um material fortemente contaminado por resíduos de metais pesados já sedimentados ao longo dos quarenta anos em que a Baía de Sepetiba vem servindo de lixeira para efluentes de zinco, cádmio, cobre, níquel, enxofre e chumbo, entre outros expelidos pelas empresas que habitam suas margens. Para completar o desespero dos pescadores e ambientalistas, o projeto da Vale e do ThyssenKrupp prevê que a lama dragada seja depositada em uma cava no meio da baía, local onde as águas são mais profundas e um dos poucos onde a baía ainda pode ser considerada viva, com a existência de uma ainda boa quantidade de peixes e crustáceos, além dos importantes microorganismos que sustentam toda a cadeia alimentar.

Na tentativa de evitar o que consideram uma atividade com risco ambiental demasiadamente grande, representantes das associações de pescadores de Itaguaí, de Mangaratiba, de Pedra de Guaratiba e da Ilha da Madeira deram entrada na segunda-feira (8) em ação no Fórum de Justiça do Rio de Janeiro contra o projeto da CSA. Também participa da ação o Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Zona Oeste, coletivo que congrega representantes de diversos grupos ecológicos, lideranças comunitárias e técnicos da região. Em nota divulgada, o grupo denuncia o plano de dragagem e recolocação dos rejeitos: “Então, a dragagem vai revolver, colocar em circulação tudo isto que já está sedimentado. E o que vão fazer com todos estes resíduos? O absurdo plano é fazer uma cava, no meio da Baía de Sepetiba, e lá deixá-los. Ou seja, restabelecer a contaminação num santuário de pesca, de onde vem a maior parte do peixe consumido no Rio de Janeiro”, diz o documento.

Outro motivo de denúncia dos ambientalistas e pescadores é a tecnologia que a CSA pretende utilizar na dragagem do fundo da baía, considerada obsoleta e muito vulnerável à fuga de matéria contaminada: “A tecnologia proposta pressupõe a demarcação e fiscalização constante da área para evitar seu uso, além de sensores de monitoramento. Enfim, uma série de pré-requisitos de dificílima execução o que, definitivamente, colocará a Baía de Sepetiba em situação vulnerável. Técnicas mais modernas e seguras, como as de
encapsulamento e envio para um aterro industrial, não foram sequer levadas em conta pela empresa, que as excluiu da análise de alternativas tecnológicas, que é obrigatória, segundo determinação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”, afirma Sérgio Ricardo de Lima, que é coordenador do Fórum de Meio Ambiente da Zona Oeste.

O Ministério Público Estadual já apresentou um parecer técnico onde constata diversas irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) realizado previamente à aprovação do projeto da CSA. Para Sérgio Ricardo, esse estudo já seria suficiente para impedir a dragagem: “O EIA se limitou a analisar as alternativas de bota-fora no interior da Baía de Sepetiba, sem levar em conta os prejuízos ao patrimônio ambiental, à pesca e à saúde publica. A multinacional alemã quer economizar aos custos da sociedade e do meio ambiente. Isso é um absurdo já que ela terá grande volume de isenção fiscal de ICMS e ISS. Somente o governo estadual abriu mão do equivalente a US$ 150 milhões em ICMS da CSA”, denuncia.

Morte lenta
Segundo estimativa da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a Baía de Sepetiba recebe em suas águas cem toneladas de metais pesados a cada ano. Entre as inúmeras empresas que contribuem para a morte da baía, destaque para a Ingá Mercantil, que faliu em 1998 e deixou abandonado em suas margens um dique com três milhões de toneladas de rejeitos tóxicos que até hoje preocupa os ambientalistas com seus vazamentos e risco de rompimento. Um ano antes de ir à falência, a Ingá foi protagonista de um vazamento de 50 milhões de litros de rejeitos tóxicos na baía, naquele que é considerado um dos maiores desastres ambientais da história do Rio de Janeiro. Também são apontadas como grandes agressoras da Baía de Sepetiba as empresas Casa da Moeda, Grupo Gerdau, Cosigua, Látex Lengruber, Metalúrgica AGT e Quimisa Galvanização, entre outras.

Pescadores e ambientalistas afirmam confiar na suspensão do projeto da CSA, pois existe jurisprudência recentemente estabelecida pela 6ª Vara Federal do Rio, onde a Companhia Docas do Rio de Janeiro foi obrigada a paralisar as obras de dragagem no Canal de Jaguanum, que visavam ampliar o acesso de embarcações ao Porto de Sepetiba. A sentença contra o projeto de Docas foi proferida pelo juiz Fábio Tenenblat após ação movida pelo Ministério Público. Outra empresa, a Companhia Docas S/A, do governo federal, foi condenada em abril deste ano pela Justiça Federal pela prática de crime ambiental devido às dragagens que realizou em 1998 e que colocaram em recirculação os metais pesados acumulados no fundo da baía.

Desta vez, a CSA _ uma joint-venture formada pela Vale e pelo ThyssenKrupp somente para tocar o megaprojeto de construção da nova usina siderúrgica e do novo porto _ pretende remover, segundo as ONGs, cerca de 21,8 milhões de metros cúbicos de lama do fundo da baía. A empresa estima que o início da produção se dê em 2008, com capacidade para produzir 4,4 milhões de toneladas de placas de aço por ano para exportação. Apesar da promessa de sempre de que “vai gerar milhares de empregos na região”, o projeto da CSA não conta com a simpatia da maioria dos pescadores da região, já escaldados por outros projetos semelhantes. No domingo (7), foi realizada uma barqueata pelas águas da baía, exigindo a realizaç
ão de estudos de impacto ambiental mais detalhados e a adoção de medidas que afastem qualquer risco de uma nova catástrofe ambiental na sofrida Baía de Sepetiba.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM