Senzalas na Amazônia

 02/05/2006

No Pará, 25 mil pessoas são empregadas em condições degradantes em grandes fazendas. Estudo do governo mostra que produção, principalmente de carne, é vendida para países da Europa e para os EUA

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

O regime de escravidão está longe de acabar no Brasil. Um relatório do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) referente aos quatro primeiros meses de 2006 revela que já foram libertados 777 trabalhadores da escravidão em todo o país. A maioria foi resgatada no Pará, estado que ocupa o lugar mais alto do ranking nacional do trabalho escravo. "Tudo leva a crer que 2006 baterá todos os recordes em libertação de trabalhadores", analisa o coordenador nacional do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE, Marcelo Campos.

Estima-se que, só no Pará, haja 25 mil trabalhadores em regime de escravidão. Para o sociólogo Pedro Malta de Fátima, da Universidade Federal do Pará, o trabalho escravo cresce no Brasil por conta das longas distâncias na Amazônia. "Pelo o que a mídia divulga, o fazendeiro já deveria ter medo de contratar trabalhador dessa forma degradante. No entanto, eles continuam investindo  essa mão-de-obra", ressalta.

Vem do Pará também uma vitória do governo quando se trata da luta para erradicar o trabalho degradante no país. A Justiça derrubou mais de 20 liminares que obrigavam o Ministério do Trabalho a excluir da "lista suja" o nome de fazendas que foram flagradas praticando trabalho escravo. Hoje, essa lista tem 159 nomes e apenas 26 estão sob efeito de liminar. As fazendas que constam na relação estão impedidas de conseguir financiamento em bancos públicos. Ainda no Pará, a fazenda Cabaceiras está em processo de desapropriação pelo fato de já ter sido flagrada três vezes mantendo trabalhadores sob regime de escravidão. A empresa foi condenada a pagar uma multa recorde (R$ 1,3 milhão) por conta da infração.

Agronegócio  Nos 10 últimos anos, quase 20 mil pessoas ganharam a liberdade em operações de fiscalização do governo federal realizadas em cerca de 1.500 propriedades rurais. "Os relatórios dessas operações revelam que quem escraviza no Brasil são empresários do agronegócio, muitos deles produzindo com alta tecnologia. O gado, por exemplo, recebe tratamento de primeira: rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado, controle de natalidade com inseminação artificial, enquanto os trabalhadores temporários vivem sem direito a água, comida e alojamento decentes, são espancados e humilhados, não podem voltar para casa", descreve Leonardo Sakamoto, da organização não-governamental (ONG) Repórter Brasil.

De todos os trabalhadores resgatados pelo governo, 5% eram reincidentes. "Isso mostra que a atividade prospera e está longe do fim. Quando o trabalhador vê na televisão imagens de pessoas sendo resgatadas e indenizadas, ele acaba estimulado a trabalhar nessas condições. Em seguida, eles mesmos denunciam e esperam pelo resgate", relata Pedro Malta.

Um levantamento sobre trabalho escravo feito para a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos mostra que as empresas que estão na lista suja exportam carne para Europa e Estados Unidos. Segundo o estudo do governo, as empresas da lista atuam nas seguintes cadeias produtivas: pecuária (carne e miúdos de boi), algodão (pluma), soja (grão, óleo e ração), cana-de-açúcar (álcool combustível e cachaça), café (grão verde), pimenta-do-reino (grão) e carvão vegetal (carvão para siderurgia). Boa parte deles produzidos nessa região de fronteira com a Floresta Amazônica. A pecuária responde por 80% do total.

Segundo o Ministério do Trabalho, os trabalhadores escravos resgatados no ano passado também atuavam em plantações de tomate e frutas; extração de madeira, entre outros. A pesquisa mostrou que são exportadas mercadorias cuja matéria-prima foi produzida com mão-de-obra escrava. Em alguns casos, como na soja, há a participação de empresas multinacionais na intermediação direta desses produtos.

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