Descaso

Doze projetos contra a escravidão seguem em marcha lenta no Congresso Nacional

Emperrados por sobrecargas em comissões, pedidos de vista, falta de interesse e ação da bancada ruralista, emendas e projetos de lei contra o trabalho escravo correm o risco de morrer nas gavetas de parlamentares
Por Iberê Thenório e Beatriz Camargo
 23/06/2006
Trabalhador libertado em fazenda de gado no município de Goianésia, Pará

Se todos os projetos do poder legislativo federal para combater o trabalho escravo fossem aprovados hoje, os proprietários de fazendas escravagistas teriam suas terras expropriadas sem indenização, créditos negados em instituições públicas e privadas, pagariam pesadas multas e responderiam por crime contra o sistema econômico e crime hediondo, sujeitos a até dez anos de prisão, sem direito à pena alternativa.

Há pelo menos 12 projetos de lei e de emendas à Constituição que tramitam no Congresso Nacional para tentar coibir o trabalho escravo no Brasil, alguns deles propostos há mais de dez anos. As soluções sugeridas pelos parlamentares seguem por quatro caminhos: confisco de terras, multas, penas mais severas para o crime e restrição a créditos financeiros e incentivos estatais.

Até agora, a proposta de emenda constitucional (PEC) nº 438 é a que conseguiu chegar mais perto da aprovação. Considerada pelos órgãos governamentais e entidades da sociedade civil como um dos projetos mais importantes, a chamada "PEC do trabalho escravo" dá nova redação à lei que trata do confisco de propriedades em que forem encontratadas lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. A PEC acrescenta a exploração de mão-de-obra análoga à escravidão nos requisitos para expropriação.

No Senado Federal, ela foi aprovada após dois anos de tramitação. Já na Câmara, apesar de ter sido apresentada pela primeira vez em 1995, empacou após sua aprovação em primeiro turno. Isso se deve à falta de vontade política e, principalmente, à pressão da bancada ruralista. Deputados como Ronaldo Caiado (PFL-GO) e Kátia Abreu (PFL-TO) atuam fortemente contra a sua aprovação.

Vale lembrar que a PEC só conseguiu sair da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), onde estava parada, devido à visibilidade que o tema ganhou após o assassinato de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego, em Unaí (MG), durante uma emboscada tramada por fazendeiros locais em janeiro de 2004. A comoção popular ainda empurrou a proposta plenário adentro, garantindo a aprovação em primeiro turno. Hoje, passados dois anos da chacina, nem a PEC está aprovada, nem os mandantes do crime presos.

"Se a sociedade não pressionar, acho muito difícil que a bancada ruralista permita que esse tema volte à pauta", reclama o deputado Tarcísio Zimmerman (PT-RS), relator da PEC na Câmara.

Outro projeto importante é o que altera o artigo nº 149 do Código Penal, que tipifica o crime de trabalho escravo e dispõe sobre suas penas. Proposto no Senado por Tasso Jereissati (PSDB-CE) há três anos, o projeto de lei define com mais precisão o que é trabalho escravo e inclui também, como punição, o confisco de equipamentos utilizados nas fazendas e bens produzidos por trabalhadores vítimas do crime. Prevê também o aumento da pena, que passaria de um mínimo de dois e um máximo de oito anos para um mínimo de cinco e um máximo de dez anos de prisão. O maior tempo de pena mínima contribuirá para impedir que os condenados consigam converter a cadeia em pena alternativa – que só pode ser concedida quando o réu tem de cumprir até quatro anos de reclusão.

A alteração já foi aprovada no Senado e hoje está nas mãos do deputado Vicentinho (PT-SP), na Comissão de Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público. "Ele está tentando aprovar o projeto faz tempo, mas pedem vistas, relatórios, emendas, projetos apensados. Há um lobby muito grande para segurá-lo", explica Paulo César, chefe de gabinete do deputado.

Dos doze projetos, sete estão parados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara ou do Senado, por onde passam quase todos os projetos de lei. Devido à sobrecarga da comissão, as propostas dependem de vontade política para serem aprovadas e continuarem tramitando. Para se ter uma idéia de quanto tempo uma proposição pode aguardar para ser analisada, está nessa comissão desde 1997 um projeto de lei que tipifica o trabalho escravo também como infração contra a ordem econômica. De acordo com um funcionário da comissão no Senado, o ano eleitoral e a grande quantidade de CPIs atrasam o trabalho. O sub-chefe de gabinete do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), João Rios, corrobora a avaliação de Zimmerman: "Se não houver clamor popular é muito difícil esses projetos saírem do papel". O senador é autor de um segundo projeto de confisco de terras onde houver trabalho escravo, que também aguarda aprovação da CCJC.

Punições econômicas
Para o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho e Coordenador Nacional da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), Luís Antônio Camargo de Melo, o confisco de terras e uma melhor tipificação do crime melhorariam o trabalho de combate à escravidão. "Uma punição eficaz será aquela que irá atingir o criminoso onde ele é mais sensível: na garantia da propriedade e no pagamento de indenizações", sustenta Camargo.

Uma outra solução encontrada para punir o trabalho escravo é impedir o financiamento estatal ou a participação em licitações de empresas que utilizaram esse tipo de maõ-de-obra. Há pelo menos quatro projetos, todos eles emperrados em comissões, que seguem por esse caminho.

Essas leis vêm para fortalecer medidas já tomadas pelo próprio Poder Executivo, como a criação, por meio de uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego, do cadastro de empregadores que comprovadamente flagrados cometendo esse crime. Essa relação, atualizada semestralmente, ficou conhecida como a "lista suja" do trabalho escravo e tornou-se referência internacional.

Quem é inserido nela, fica impossibilitado de receber crédito em agências públicas de financiamento como o Banco do Brasil, Banco do Nordeste e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e em alguns bancos privados nacionais e internacionais, como o Bradesco, o Santander e o ABN Amro Real. Empresas varejistas e atacadistas, indústrias e tradings signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo também utilizam o cadastro para escolher seus fornecedores.

Contudo, como ainda não há lei que regulamente a lista, criminosos encontram brechas na legislação e conseguem tirar seus nomes da rel
ação. Hoje, há 28 fazendas que conseguiram suspender temporariamente sua inclusão no cadastro através de ações nas Justiças Federal e do Trabalho.

Confira, na lista abaixo, como tramitam no Congresso os 12 projetos que ajudam a erradicar a escravidão no Brasil.

 

PL-2130/1996
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=17677
Autor: deputado Augusto Nardes (PPB-RS)

O projeto prevê que trabalho infantil ou escravo também configuram crime contra a ordem econômica, podendo assim serem julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A justificativa é de que esses crimes são mecanismos ilegítimos de redução dos custos de produção.

O projeto está parado na CCJC da Câmara desde janeiro de 2004, quando o então relator Ricardo Fiúza (PP-PE) o aprovou.

 

PL-3757/1997 ou PLC 97/2003
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=20163 (Câmara) http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=64398 (Senado)
Autor: deputado Paulo Rocha (PT-PA)

Altera a tipificação do crime do trabalho escravo (artigo nº 149 do Código Penal), incluindo nela o uso de mão-de-obra de menores de 14 anos para fins econômicos, salvo o auxílio em âmbito familiar, fora do horário escolar e que não prejudique a formação educacional.

Enviado ao Senado no final de 2003, o projeto está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. A senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA), designada relatora na época, aprovou sem emendas a matéria, mas esta ainda não foi posta em pauta e não existe previsão a respeito.

 

PEC 438/2001
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=36162
Autor: senador Ademir Andrade (PSB-PA)

Prevê o confisco de terras, sem direito à indenização, em fazendas que se comprove o uso de mão-de-obra análoga à escravidão. As propriedades serão destinadas ao assentamento de famílias para a reforma agrária. Imóveis urbanos em que se flagrem essas atividades também serão desapropriados.

Já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara, em agosto de 2004. Precisa ser colocada em pauta para a segunda votação, onde necessita de 309 votos para ser aprovada. Segundo Tarcísio Zimmerman (PT-RS), relator do projeto na Câmara, não há previsão para votação da emenda neste ano.

 

PLS 208/2003 (Senado) ou PL-5016/2005 (Câmara)
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=58210 (Senado)
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=280726 (Câmara)
Autor: senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Aumenta as penas para trabalho escravo e aliciamento. No trabalho escravo, a pena que passa de um mínimo de dois e um máximo de oito anos para um mínimo de cinco e um máximo de dez anos de prisão. No aliciamento, passa de um mínimo de um e um máximo de três para um mínimo de quatro e um máximo de oito anos de detenção. Além disso, o escravizador perde o direito a benefícios e créditos governamentais, e também não pode participar de licitações. Equipamentos da propriedade, bem como os bens produzidos com mão-de-obra escrava serão levados à leilão e o recurso gerado será utilizado preferencialmente para fiscalização. Prevê também uma multa de dez salários mínimos por trabalhador flagrado. Em uma das emendas, foi apensado ao projeto uma proposta que transforma a redução o crime do trabalho escravo e aliciamento em crimes hediondos – conforme previsto pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Aprovado no Senado, está na Comissão de Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. O relator do projeto na comissão é o deputado Vicentinho (PT-SP), que dará parecer favorável à lei, segundo seu assessor.

 

PLS 487/2003
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=64262
Autor: senador Paulo Paim (PT-RS)

O projeto proíbe órgãos públicos de contratar, conceder incentivos fiscais ou permitir a participação em licitações de empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) está com a relatoria da matéria. Seu gabinete garante a entrega para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) até o fim de julho e já adiantou que o parecer será favorável. O projeto já passou pela CCJ do Senado e foi aprovado.

 

PL-1985/2003
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=133355
Autor: deputado Eduardo Valverde (PT-RO)

Altera a lei do trabalho rural (5889/1976), estabelecendo uma multa de R$ 2.500,00 para o empregador que utilizar trabalho escravo. Em caso de reincidência, embaraço ou resistência à fiscalização, emprego de artifício ou simulação com o objetivo de fraudar a lei, a multa será aplicada em dobro. A quantia pode cair pela metade quando o empregador providenciar, em no máximo cinco dias, o pagamento dos valores devidos aos empregados, conforme apurar a fiscalização.

Faz um ano que a relatoria do projeto foi designada ao deputado Luis Eduardo Greenhalgh (PT-SP), na Comiss&
atilde;o de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois da entrega do parecer por Greenhalgh, o projeto ainda passará por uma votação difícil, avaliam os assessores de Valverde.

 

PL 2108/2003
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=135647
Autor: deputado Walter Pinheiro (PT-BA)

Proíbe que entidades ou empresas brasileiras ou sediadas no Brasil tenham contrato com empresas que exploram formas degradantes de trabalho, como o trabalho escravo ou infantil, em outros países. Em caso de descumprimento, a entidade ou empresa é impedida de firmar contratos com qualquer órgão público, participar de licitações ou se beneficiar de recursos públicos, por um período de cinco anos.

O projeto de lei está na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara, sob responsabilidade da deputada Yeda Crusius (PSDB-RS), que foi designada relatora em abril deste ano. Segundo o gabinete de Crusius, ainda não há previsão de quando será concluída a avaliação.

 

PLS 9/2004
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=65983
Autor: senador Marcelo Crivella (PRB-RJ)

Acrescenta na Lei de crimes hediondos (nº 8072/1940) o crime de trabalho escravo – conforme previsto pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Na CCJC do Senado, o projeto aguarda a designação de um novo relator. O gabinete do senador Crivella não tem boas perspectivas e acredita que o trâmite ficará emperrado pelo menos até o segundo semestre.

 

PEC 265/2004
Projeto do deputado Anselmo (PT-RO) http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=250687

Assim como a PEC 438/2001, prevê expropriação de terras onde seja encontrado trabalho escravo. O projeto inclui na lista, contudo, os locais onde houve desmatamento ilegal. Além disso, a emenda muda o termo "gleba", utilizado hoje nas leis de terra, para "imóvel rural". Gleba é um terreno para cultura, enquanto imóvel rural compreende barracões, e outras instalações da fazenda. Assim, a desapropriação não fica restrita apenas ao trecho em que foram encontradas as irregularidades, mas a toda propriedade.

Enviado à CCJC, já obteve parecer favorável do relator, o deputado Luiz Couto (PT-PB). A assessoria do autor do projeto prevê ainda pelo menos dois anos de tramitação nas comissões, e teme que a bancada ruralista barre o projeto na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR).

 

PLS 25/2005
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=72501
Autor: senador Pedro Simon (PMDB-RS)

Prevê a criação de uma lei para a já existente "lista suja" do trabalho escravo, sem modificar seu funcionamento. A lista será divulgada divulgada semestralmente, e empresas infratoras aparecerão nela por dois anos. Para sair da lista, é necessário comprovar a quitação dos encargos trabalhistas e previdenciários.

Parado na CCJC do Senado, já obteve parecer favorável do relator, o senador César Borges (PFL-BA). De acordo com sua assessoria, depende do interesse das lideranças políticas da casa para seguir em frente.

 

PEC 52 / 2005
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=75419
Autor: senador Cristovam Buarque (PDT-DF)

Assim como a PEC 438/2001, prevê expropriação de terras onde seja encontrado trabalho escravo, mas inclui na lista o trabalho infantil. Além disso, prevê também que as terras desapropriadas possam servir à recuperação de viciados, ou para programas de esporte, lazer e educação.

A proposta foi enviada à CCJC, onde aguarda a nomeação de um relator. De acordo com a assessoria de Cristovam Buarque, esta PEC ainda pode se encontrar com a 438/2001 na Câmara. Nesse caso, se tornaria uma emenda da mais antiga.

 

PLS 108/2005
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=73108
Autora: senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA)

Proíbe crédito de qualquer instituição financeira ou participação em licitações a empresas flagradas com trabalho escravo ou que incorreram em infrações ambientais. A medida vale por dois anos, podendo ser extendida a cinco quando houver reincidência. Instituições financeiras que não respeitarem a lei sofrerão uma multa de 40% sobre o valor do crédito cedido.

A senadora Ana Júlia retirou o projeto da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, para dividi-lo em dois: meio-ambiente e trabalho escravo, para facilitar o trâmite. Antes de ser retirada, a matéria foi avaliada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que deu o parecer favorável, embora não tenha chegado a entregar o relatório. O gabinete de Ana Júlia prevê apresentar o projeto reformulado até a próxima quarta-feira (28). A avaliação é de que, depois de discutido pela CAE, ele terá fácil aprovação no Senado, mas enfrentará resistência na Câmara, onde a bancada ruralista é mais forte.

Matéria relacionada:
Carta-compromisso contra o trabalho escravo

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