Criada no início do ano passado, a campanha Na Floresta têm Direitos: Justiça Ambiental na Amazônia, integrada por 12 redes de organizações e movimentos sociais da região, apresentou nesta quarta feira (28) no Pará um mapa ou diagnóstico minucioso, elaborado nos últimos 10 meses, dos conflitos socioambientais mais representativos na região.
Na pesquisa coordenada pela antropóloga Ângela Paiva, da ONG FASE, foram apresentados 675 casos de violações de direitos humanos ou crimes ambientais relacionados a queimadas e/ou incêndios provocados, restrição ao uso ou poluição de recurso hídrico, pesca e/ou caça predatória, extração predatória de recursos naturais, desmatamento, garimpo, pecuária, monocultivo de soja, arroz, eucalipto e outros, extração de madeira, grandes projetos infraestruturais (hidrelétricas, gasodutos, mineração, siderurgia, hidrovias, etc), regularização fundiária, ordenamento territorial, e violência física declarada (ameaças, conflitos armados, assassinatos, massacres, trabalho escravo, estupro, exploração sexual infanto-juvenil, destruição e incêndios de casas e propriedades, exploração de trabalho infantil, etc).
Apesar de inédito enquanto diagnóstico – por ter cercado a maioria das origens dos grandes passivos sociais e ambientais da Amazônia Legal -, o Mapa dos Conflitos Sociaoambientais apenas confirmou dados anteriores. Ou seja, na escala dos estados mais violentos, o Pará continua no topo com 40% dos casos, seguido por Rondônia (17%), Tocantins (12%) e Amapá (9% dos casos). Também no ranking da origem dos conflitos não há surpresas: monocultivos e regularização fundiária são ambos responsáveis por 9% dos conflitos, a atividade madeireira por 14% e o ordenamento territorial por 20% dos casos.
Em resumo, afirmam as organizações sociais, o mapa constata novamente a falência do modelo de desenvolvimento que vem sendo aplicado pelo poder público e pela iniciativa privada na região.
Elaborado principalmente como instrumento de trabalho das entidades que compõe a Campanha Na Floresta tem Direitos, o diagnóstico também foi apresentado na tarde desta quarta ao Ministério Público Federal (MPF) em Belém. No documento apresentado ao procurador geral Felício Pontes, as entidades cobraram medidas como arrecadação das terras com titulação irregular pelo Estado, em obediência ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos; promoção de ações judiciais e extrajudiciais de desapropriação das terras onde se verifique desmatamento ilegal; apuração das ameaças contra as lideranças sociais; apuração da gestão dos fundos de financiamento públicos que estimulam o uso predatório dos recursos naturais; indenização por danos físicos, morais, culturais e ambientais coletivos às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais atingidas por contaminação por agrotóxicos, grandes projetos de mineração e hidroelétricas e pecuária extensiva, entre outras demandas.
O documento também propõe ao Ministério Público estadual ações de responsabilização contra o Estado do Pará em razão da omissão e lentidão do Tribunal de Justiça no julgamento dos casos de violação de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. E em relação aos estados da Amazônia, também propõe proceder judicial e extrajudicialmente a “criação de condições de funcionamento dos órgãos constitutivos do sistema de segurança pública, bem como do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública nesses estados, sobretudo nas áreas de conflitos, com a necessária presença, estrutura e celeridade desses órgãos”.
Segundo Felício Pontes, o MPF considerou o levantamento das organizações sociais uma contribuição valiosa ao trabalho dos procuradores, mas, em relação ao Mapa, apenas 30% dos casos apresentados são de competência federal. E entre eles, o grande destaque são conflitos fundiários.
“Sempre tivemos uma ótima relação com as entidades e organizações sociais, e já identificamos três caso passíveis de ação por parte do MPF já na semana que vem. Nos próximos três meses, aproveitando as contribuições do Mapa, vamos abordar grande parte das denúncias, principalmente as ligadas à questão fundiária”, afirma Pontes.
GRILAGEM
A primeira ação do MPF contra a prática da grilagem, no entanto, já ocorre nesta quinta (29). O alvo é uma área de cerca de 1 milhão de hectares da empresa CR Almeida na região de Altamira, pertencente ao fazendeiro Cecílio Rego de Almeida, já chamado de maior grileiro do país – outra área supostamente pertencente a ele, de 4 milhões de hectares, também é alvo de ação do MPF.
Segundo o procurador Marco Antonio de Almeida, as terras cuja titulação será questionada pelo MPF em função de fortes indícios de irregularidades, são seringais que incidem sobre a Estação Ecológica Terra do Meio, as Terras Indígenas Arawete e Apyterewa e a área onde será criada a reserva extrativista do Médio Xingu.
“Vamos solicitar à Justiça a anulação da matrícula dessa área. De acordo com o decreto de criação da Estação Ecológica, as terras de particulares dentro dela devem ser desapropriadas mediante indenização do Ibama, e não podemos permitir que o governo pague por terras griladas”.
Também o Tribunal de Justiça no Pará está de olho nos grileiros. Na semana passada, a corregedoria do TJ bloqueou os títulos de cerca de 100 mil imóveis no estado, numa ação que investigou matriculas concedidas pelos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior desde 1934. O bloqueio impede, a partir da data de publicação do provimento, que as áreas em questão sejam vendidas e que seus proprietários acessem qualquer tipo de crédito oficial até que a documentação competente seja apresentada e regularizada. Também fica proibida a concessão de novos títulos para áreas maiores de 2,5 mil hectares sem prévia e expressa autorização do Juiz da Vara Agrária da região.
De acordo com provisão da desembargadora Osmarina Nery, Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior, os bloqueios foram definidos em função da falta de eficácia, no processo de regularização fundiária, das medidas adotadas pela própria Corregedoria e pelo Instituto de Terras do Pará (ITERPA) “ante a dimensão que a grilagem de terras atingiu em nosso
Estado”.
“Para se ter uma idéia, há vários municípios do interior com áreas registradas que superam em uma, duas ou mais vezes a sua superfície territorial, e todos nós conhecemos o tamanho de nossos municípios, alguns deles maiores que vários países”, diz o documento da Corregedoria.
Em relação aos Títulos Definitivos de Propriedade adquiridos por compra, é imenso o índice de fraude, afirma o órgão, uma vez que grande parte aponta áreas muito superiores ao fisicamente possível. “A fraude vai além de 200.000.000 ha, tendo o Estado do Pará uma superfície aproximada de 120.000.000 há”.
Ainda segundo a Corregedoria, a Constituição Federal de 1934 limitou a alienação de terras públicas sem autorização do Senado da República em 10 mil hectares. A Constituição de 1946, através de Emenda Constitucional, reduziu esse limite para 3.000 hectares, e nova redução para 2,5 mil hectares foi estabelecida na Constituição de 1988. Isso torna os registros de áreas maiores, que não tiveram autorização do Senado e/ou do Congresso Nacional, eivados de vício de constitucionalidade mesmo se tiverem títulos autênticos.