Lula descumpre agenda e deixa camponeses a ver navios

Se tivesse comparecido ao evento como agendara inicialmente, Lula teria ouvido manifestações de apoios e cobranças. “Não queremos de volta a oligarquia agrária que explora e exclui”, afirmou representante da Via Campesina
Maurício Hashizume
 22/06/2006

O presidente Lula perdeu a oportunidade de compartilhar o seu prestígio pessoal, nesta quarta-feira (21), com o importante setor dos trabalhadores rurais na cerimônia de abertura da II Feira Nacional de Agricultura Familiar e Reforma Agrária.

Se tivesse comparecido ao evento como agendara inicialmente – assessores de comunicação atribuíram a ausência do presidente à exigüidade da agenda, espremida entre a Cerimônia de abertura da Semana Nacional Antidrogas e despachos internos no Palácio do Planalto -, Lula teria ouvido manifestações inequívocas de apoios, seguidas de algumas cobranças.

“Vamos continuar lutando para reeleger este governo. Não queremos de volta a oligarquia agrária que explora e exclui”, afirmou Altacir Bunde, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), representante da Via Campesina no ato. Esse apoio está condicionado, segundo Bunde, a um segundo mandato que privilegie uma “reforma agrária acelerada” e “mudanças na política econômica”.

O representante do MPA deixou claro que, a despeito dos “avanços fundamentais” – aumento do crédito, estabelecimento do seguro para a produção, incentivo à assistência técnica e o funcionamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre eles -, alguns problemas continuam angustiando os movimentos sociais camponeses.

Um deles é a greve dos servidores do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Trabalhadores da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi) aproveitaram a ocasião para reivindicar o cumprimento de acordos firmados no tocante às distorções da tabela salarial e à recomposição da força de trabalho aquém das necessidades da autarquia, responsável pela execução dos programas de reforma agrária e ordenamento da estrutura fundiária do País.

Os camponeses também cobraram a assinatura da portaria com a revisão dos índices de produtividade – que atualiza referências estabelecidas ainda na década de 70, confere novos critérios para a utilização da terra e simplifica a desapropriação de terras consideradas improdutivas -, que ainda não foi publicada pelo governo federal. Já Elisângela Araújo, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), pediu mais esforços governamentais na questão da agroindústria e no atendimento aos jovens.

Bunde também clamou por uma maior participação dos movimentos no desenrolar da questão estratégica da agroenergia, levada a cabo pelo Executivo em iniciativas como o recém-lançado H-Bio, desenvolvido pela Petrobras. “Não queremos ser meros participantes. Queremos ser sujeito [desse processo]. A perspectiva [do segmento de agroenergia] é muito grande”. Por isso, ele advertiu: esse setor repleto de oportunidades não pode mais uma vez ficar na mão de grandes multinacionais e da classe dominante.

Coube a Manoel José dos Santos, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), fazer comparações para sublinhar os avanços no setor da agricultura familiar. Lembrou que, em 1995, na primeira negociação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Família (Pronaf), o governo destinou apenas R$ 200 milhões, com 12% de taxa de juros ao ano, mais Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Na abertura da Feira, Lula lançaria oficialmente o Plano Safra 2006/2007 para agricultura familiar: R$ 10 bilhões para o Pronaf, com os maiores juros fixados em 4% – o Pronaf B, por exemplo, tem juros de 1% com 25% de rebate. O número de contratos já são mais de 2 milhões.

“Mas não estamos com os olhos brilhando e achando que está tudo bem”, advertiu Santos. O “déficit social” histórico, nas palavras dele, persiste no Brasil. Para ele, o País vive uma crise estrutural que atinge aqueles que produzem alimentos para a cesta básica (com o baixo preço dos produtos) e muita gente que ainda passam fome e não tem dinheiro para adquirir alimentos. Nesse tocante, ele defendeu uma política de preço mínimo casada com uma estratégica do poder público de segurança alimentar.

FUNÇÃO SOCIAL E CADEIA PRODUTIVA
O presidente Lula prometeu visitar a feira que vai até domingo (25) e acabou representado no evento pelo ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que reconheceu a existência de problemas que ainda não foram resolvidos. Falta ainda exigir de fato o cumprimento da função social da propriedade, frisou Ananias, pois o “direito à propriedade não é absoluto” e o “interesse público deve prevalecer”. “Por isso, não realizamos as reformas agrária e urbana”.

Mais que avanços quantitativos, o ministro do MDS destacou o “salto qualitativo” na área da agricultura familiar, com a integração e complementaridade das políticas públicas.

Na mesma toada, o ministro Guilherme Cassel, chefe do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), também admitiu as limitações no atendimento de milhares de sem-terra espalhados pelo território nacional. Lembrou, porém, a pasta conseguiu dar passos consistentes com políticas públicas para a cadeia produtiva da agricultura familiar, responsável por cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB).

A novidade do Plano Safra 2006/2007, que estará disponível a partir de 1º de julho, ficou por conta do Pronaf comercialização, com um aporte de R$ 600 milhões e 4% de juros ao ano, que completa o ciclo do crédito para custeio até a venda do produto. Esse apoio, projetou Cassel, vêm produzindo reflexos no “estancamento” do êxodo rural, motivo mais do que suficiente para que Lula prestigiasse a abertura da feira – como fez em 2005 – ocasião, aliás, em que a revisão do índice fora anunciada – com participação de mais de 500 expositores de todo o País.

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