Trabalho decente

MPT alerta para trabalho escravo em fornecedores da C&A

Fornecedores da multinacional holandesa são intimados a comparecer em audiência realizada pelo MPT para alertar sobre a possibilidade de utilização de trabalho escravo na cadeia produtiva das roupas vendidas para a C&A
Por Iberê Thenório
 06/06/2006

Em audiência pública realizada nesta terça-feira (6), o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região (Grande São Paulo e Baixada Santista) alertou 80 fornecedores da rede de lojas C&A sobre a possibilidade de estarem comprando de confecções que exploram mão-de-obra de imigrantes ilegais latino-americanos para a produção de roupas. Em algumas dessas oficinas clandestinas, houve inclusive constatação de trabalho escravo.

Alojamento, local de trabalho e sanitários de confecção clandestina em que foram encontradas etiquetas da C&A (fotos: MPT/Divulgação)

As empresas foram intimadas depois que diligências do Ministério do Trabalho e Emprego e do MPT encontraram etiquetas da multinacional holandesa C&A em confecções que exploravam imigrantes latino-americanos. Em uma dessas fiscalizações, realizada em 2004, foram libertados 32 bolivianos que trabalhavam em situação precária, perfazendo uma jornada de 14 horas por dia para ganhar, em média, R$ 300,00 por mês. Todos estavam ilegalmente no país.

De acordo com a procuradora do Trabalho Vera Lúcia Carlos, não há ligação direta entre as confecções criminosas e a C&A. Em geral, o produto fabricado com mão-de-obra ilegal é vendido para distribuidores, que o repassa a grandes magazines. "O intuito da audiência foi conscientizar as empresas que utilizam mão-de-obra tercerizada sobre sua responsabilidade no momento da terceirização", explica a procuradora.

Para essa primeira reunião foram convocados apenas 80 fornecedores dos mais de 200 que mantêm relações com a empresa. A partir de agora, cada um deles será chamado ao MPT para prestar esclarecimentos sobre a origem dos produtos que comercializa. Caso sejam detectadas irregularidades, a empresa terá de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para se comprometer a não contratar empresas que se encontram em situação ilegal ou trabalhadores sem que seja feito o registro na carteira de trabalho.

A legislação brasileira prevê a terceirização apenas em dois casos: quando há o afastamento de trabalhadores contratados, como nas férias ou licença maternidade, ou quando há um aumento muito grande dos serviços, como em datas como o Natal ou a Páscoa. Quando uma empresa terceiriza sua atividade-fim – como confecções que produzem roupas mas também as compram de  outros fornecedores – ela pode ser responsabilizada quando há problemas trabalhistas nesses fornecedores. "Contratar irregularmente pode significar adquirir um passivo na empresa. Além da reclamação trabalhista, há também responsabilidade criminal", alerta a jurista Yone Fediani, uma das palestrantes da audiência.

Questionados pela reportagem, vários fornecedores presentes na reunião não quiseram prestar esclarecimentos de como irão fiscalizar os produtos tercerizados que compram. A C&A também foi contatada, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem. Os advogados da empresa presentes na audiência não quiseram se pronunciar.

Prevenção
Devido à condição ilegal dos trabalhadores imigrantes que são explorados nas confecções paulistas, o MPT tem feito um trabalho de prevenção. "Não podemos levar um trabalhador para depor em um fórum, porque nem documento eles têm. Se dermos um tratamento muito rígido à essa questão, eles serão deportados e a empresa nunca será responsabilizada", explica o subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho e Coordenador Nacional da Conaete(Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), Luís Antônio Camargo de Melo.

No último ano, o MPT da 2ª região instaurou 94 processos contra empresas que utilizaram trabalho escravo, forçado ou degradante. A maioria era de confecções que contrataram ilegalmente imigrantes latino-americanos. Desses processos, 47 foram arquivados. "A maior parte deles parou porque os responsáveis pelas empresas desapareceram", conta a procuradora Denise Lapolla de Paula.

Da miséria para a escravidão
Saindo de seu país em busca de uma vida melhor em solo brasileiro, latino-americanos, principalmente bolivianos, vêm para o Brasil conscientes de que trabalharão muito e ganharão pouco. Na maior parte das vezes, entram de forma ilegal no país. Ao chegar, poucos são os que ganham um salário decente. A maioria trabalha até a exaustão, oprimida pelo medo da deportação e de voltar de mãos vazias para o lugar de onde partiram.

Estimativas da Pastoral do Migrante Latino-Americano apontam que há hoje 200 mil bolivianos vivendo no município de São Paulo, dos quais 12 mil em situação de escravidão. Como grande parte está no país de forma irregular, o poder público tem dificuldade em encontrá-los e fiscalizar seu trabalho.

Em agosto de 2005, os governos do Brasil e da Bolívia fizeram um acordo para facilitar a legalização de imigrantes. Em 180 dias, todos os moradores que se encontravam em situação ilegal no Brasil até a assinatura do termo poderiam requerer sua regularização. A medida, contudo, não surtiu efeito prático, pois era necessário o pagamento de multas e taxas que, somadas, passavam de R$ 900 – valor impensável para um trabalhador que recebe menos de R$ 1,00 por peça costurada.

Posicionamento da empresa C&A, recebido após o fechamento desta reportagem

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