Organizações de direitos humanos não escondem frustração com governo Lula

Apesar das duras críticas ao governo Lula, houve reconhecimento de sinais de mudanças com Paulo Vanuchi, que passou a chefiar a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) desde dezembro do ano passado
Jonas Valente
 05/06/2006

Às vésperas das eleições presidenciais, como não podia ser diferente, o balanço da política nacional de direitos humanos e a atuação do governo na sua implementação emergiram como uma das principais polêmicas da décima edição da Conferência Nacional de Direitos Humanos. Nos discursos das organizações, o tom geral foi de frustração frente à postura do governo na área e dura crítica das limitações verificadas tanto na execução das políticas públicas como do modelo de desenvolvimento em curso. Apesar das duras críticas, houve reconhecimento de sinais de mudanças com a chegada do ministro Paulo Vanuchi, que passou a chefiar a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) desde dezembro do ano passado.

Para além das cobranças ao três Poderes que caracterizaram as nove Conferências anteriores, o balanço crítico foi intensificado pela histórica ligação do PT e do presidente Lula com as bandeiras da esquerda. Um exemplo emblemático deste sentimento foi o conjunto de críticas à atuação do ex-secretário Nilmário Miranda, histórico militante da causa que experimentou grande desgaste junto às entidades da sociedade civil até sua saída do órgão para dirigir o PT em Minas Gerais. Outro foi o repúdio ao episódio do rebaixamento da SEDH, que passou seis meses (de julho a dezembro de 2005) como subsecretaria da Secretaria-Geral da República, sem status de ministério.

“Há uma crítica séria em relação ao que foi o governo Lula durante esses quatro anos. Havia muita expectativa de que o governo pudesse produzir alterações objetivas institucionais, como o Sistema Nacional de Direitos Humanos, mas isso não foi feito de forma consistente”, diz Paulo Carbonari, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ivônio Barros, do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH), também criticou duramente a atuação do governo cobrando uma nova postura. “Apesar da frustração e do sentimento de ter perdido três anos de caminhada com uma Secretaria de Direitos Humanos que não correspondeu às expectativas da sociedade, esperamos que neste momento ela possa assumir o seu papel de articuladora e coordenadora de políticas transversais de defesa e garantia dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais”.

Em alguns aspectos, a avaliação da gestão Lula foi ainda mais negativa do que a da época de Fernando Henrique Cardoso. Para Caio Varela, do Instituto Nacional de Estudos Sócio-Econômico (Inesc), a campanha de combate à tortura sofreu duro desmonte, com o desligamento do serviço de disponibilização de um número de telefone com ligação gratuita que recebia as denúncias e o abandono. As ações de defesa dos defensores de direitos humanos, crianças e adolescentes ameaçados também foram desarticuladas, segundo Varela. Medidas positivas, como o lançamento do Plano de Educação em Direitos Humanos (PENDH) e o Brasil Sem Homofobia (BSH), também foram criticadas pela sua pouca efetividade e falta de recursos. No caso do PEDH, constatou-se que o plano feito era muito genérico e agora ele se encontra em processo de revisão. Em relação ao Brasil Sem Homofobia, das 52 ações propostas para o plano apenas três estão no orçamento e só uma tem como temática específica o combate à homofobia.

O secretário especial dos direitos humanos, Paulo Vannuchi, fez uma autocrítica na abertura da conferência, mas ressaltou que o balanço sobre a política de direitos humanos deve ser mais abrangente (dentro de um espectro de Estado que inclua também o Legislativo e o Judiciário) e levar em conta tanto um período histórico maior do que somente a gestão Lula. “São as decisões do Judiciário que têm prejudicado as populações indígenas e a superação dos problemas na área de segurança”, exemplificou. Vannuchi defendeu o governo por conta principalmente dos programas de transferência de renda e de combate à fome, mas admitiu as limitações impostas pelo modelo econômico. “O problema do orçamento é dramático e ainda está premido pelas suas questões fiscais e pela necessidade de superávit primário, o que gera um desequilíbrio econômico de longa gestação e que você não consegue solucionar em curto tempo”.

Segundo o secretário, apesar desta amarra que impede o aumento de recursos para os programas voltados para a promoção e proteção dos direitos humanos, a pasta está buscando mais recursos no orçamento de 2007. “Somados os orçamentos da União para a SEDH e do Fundo Nacional da Criança e Adolescente, os recursos que temos para trabalhar chegam a R$ 100 milhões. Se fizéssemos levantamento veríamos que são necessários 200 milhões. Mas há necessidades em todas as pastas, então buscaremos um aumento acima da inflação, algo em torno de R$ 130 milhões”, explica.

Para Varela, a busca por novos recursos precisa ser combinada com a melhoria da execução do orçamento da pasta, que até maio tinha sido de apenas 4,2%, com a quase totalidade destinada basicamente ao funcionamento da máquina. “Programas como apoio à implantação de conselhos de promoção dos direitos das pessoas com deficiência e apoio a vítimas e testemunhas não receberam um real sequer”.

Mas a disposição de Vannuchi está sendo reconhecida pelas organizações. A despeito do repertório farto de críticas e do balanço sem mediações na Conferência, várias entidades, nos bastidores, têm avaliado positivamente a postura do novo secretário, principalmente sua disposição para o diálogo com as entidades. A diferença de Vannuchi estaria em sua postura suprapartidária e na disputa interna que ele estaria travando dentro do governo para garantir o crescimento da pauta dos direitos humanos nas ações do Executivo. A experiência com Nilmário Miranda, no entanto, mantém a cautela das organizações com relação aos desígnios dos direitos humanos no governo federal.

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