A precarização da vida

 13/07/2006

Niva Bianco e Marcello Vitorino (fotos) – Especial para o Observatório Social

Em Franca, SP, o cheiro de cola de calçados faz parte do cotidiano de trabalhadora grávida

A presença de crianças brincando na rua, mulheres que conversam no portão e um campinho de futebol de terra batida são alguns dos elementos que dão ar bucólico ao bairro de Pinheiros II, na periferia de Franca (SP).

A constatação de que este é um bairro pobre vem do movimento quase inexistente de automóveis em suas ruas e também das casas com paredes de tijolos nus, que envelhecem sem nunca serem acabadas.

Assim é a casa de Meire e José, que começou a ser erguida há 13 anos e até hoje não ganhou pintura, sempre à espera de melhores dias no mercado de trabalho das indústrias de calçados da cidade.

Por trás do muro de tijolos à vista, sem numeração e sem campainha (retoma-se o velho ritual de bater palmas), a varanda é de longe o cômodo mais espaçoso da casa.

Ensolarada, reúne de um lado promessas – na churrasqueira vistosa, no brasão gigante do Palmeiras pintado na parede, sublinhado com um passional 'Dio, como ti amo', e de outro a realidade: o tanque, a máquina de lavar, e, numa posição central, a bancada de trabalho em torno da qual, não raro, toda a família se encontra.

Nessa bancada Meire – e agora também José, desempregado – consomem seus dias colando e pespontando calçados para uma das mais de 700 fábricas de Franca. Começam pouco depois das cinco da manhã e às vezes vão até depois das oito da noite, numa rotina onde churrascos e jogos do time do coração ganham contornos de quase sonhos.

Não que Meire, há mais de 10 anos nessa rotina de trabalho operário em casa, reclame, pelo contrário. Para ela, não seria possível imaginar uma outra realidade que não fosse impregnada do cheiro de couro e cola, da costura que segue o traçado sinuoso dos recortes nos modelos da estação. Meire, 39, praticamente cresceu entre os sapatos.

Sem infância

Mineira de Sacramento, Meire Afonso Almeida Silva chegou a Franca na década de 70 com os pais e as quatro irmãs. Mesmo antes da morte prematura do pai, alcoólatra, ela, a irmã mais velha e a mãe já trabalhavam para sustentar a família.

A mãe fazia bicos colando palmilhas e colhendo café em época de safra, enquanto as filhas faziam enfeites em couro para sapatos femininos, como trabalhadoras 'quarteirizadas' – recebiam o material de uma vizinha, que por sua vez trabalhava para uma banca, como são chamadas as oficinas que prestam serviços à indústria, muitas vezes de forma precária. Meire tinha então oito anos.

– Quando a minha mãe teve nossa irmã caçula fui eu que paguei o táxi do hospital para casa, com o dinheiro ganho com os enfeites -, recorda, com um sorriso triste.

Agora é ela que está grávida, de seis meses. É o terceiro filho, um menino, depois de duas meninas, uma com cinco e outra com dois anos. O parto, como das outras vezes, será na Santa Casa de Franca. O que Meire não sabe é como ficará sua rotina de trabalho depois do nascimento do bebê.

Sem creche e sem qualquer benefício, ela terá que cuidar da casa e dos dois filhos menores enquanto a mais velha freqüenta a escola do Sesi. É um dos melhores colégios da região, vaga conquistada graças ao esforço da mãe, que vê na educação a única saída para que o ciclo do trabalho precário não torne a se repetir na família.

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