Apagão, o retorno

Artigo – A geração de energia no Brasil: já vimos esse filme antes

Urge a necessidade de se criarem novas fontes de energia elétrica. Falta de chuvas no Sul e previsão de seca no Nordeste indicam que já se passou do momento de não depender apenas de São Pedro para gerar eletricidade
Por João Suassuna
 24/07/2006

Recife – Em junho de 2001, editamos um artigo na internet intitulado "Racionamento: o preço da irresponsabilidade", onde mostramos o prenúncio do apagão ocorrido naquele ano. Comentamos, entre outros assuntos, as questões da interligação do sistema elétrico nacional, na qual uma usina hidrelétrica localizada no Nordeste, por exemplo, pode transferir energia para a região Sudeste e vice-versa. Além do mais, comentamos a informação do Ministério de Minas e Energia, o qual, em nota, afirmava que, naquele ano, "a situação do abastecimento energético do Nordeste também melhorou em razão da ocorrência das chuvas no Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Com a melhoria da capacidade de geração dessas regiões, o Nordeste suspendeu o envio de energia para o abastecimento de estados do Sudeste, poupando água para aumentar o nível dos reservatórios das usinas da Chesf". Na nossa ótica, essa energia, enviada até setembro de 2000 pelo sistema Chesf à região sudeste, fez muita falta ao Nordeste, contribuindo sobremaneira para a instalação da mais séria crise energética vivenciada na nossa história.

Para nós fica muito clara nesse relato a desconsideração, pelas autoridades, da existência de fenômenos naturais que têm importância significativa na tomada de decisões, principalmente quando o assunto se refere aos múltiplos usos das águas de um rio ou às transferências de energia entre diversas regiões do país. Referimo-nos aos fenômenos El Niño e às secas que costumeiramente ocorrem no Nordeste e, em especial, na bacia do rio São Francisco. Esses fenômenos têm agravado significativamente a situação energética da região, principalmente no tocante ao desempenho de sua matriz energética, a qual é calcada, prioritariamente, na geração hidrelétrica. Nesse sentido, basta haver um descompasso na caída das chuvas em algumas regiões do país, como aquele ocorrido em 2001, para o sistema entrar em colapso. Portanto, urge a necessidade de se envidar esforços no sentido de se reavaliar a estrutura dessa matriz, em âmbito nacional, ampliando-a, através do estabelecimento de políticas capazes de promover a geração de energia com outras fontes energéticas, evitando-se, com isso, esperar a ajuda de São Pedro com a caída das chuvas providenciais, conforme costumeiramente vem ocorrendo, na promoção do nosso desenvolvimento.

Recentemente, através do noticiário televisivo, fomos informados de que a região sul do país passava por período de seca, com fracas ocorrências pluviométricas que resultaram em baixos níveis de acumulação nos reservatórios de suas hidrelétricas – comentam-se níveis de acumulação de cerca de 35%, apenas -, inclusive havendo necessidade de se proceder à remessa, para aquela região, de energia oriunda de outros centros geradores do país.
Com o sistema elétrico nacional interligado e com os volumes dos reservatórios das hidrelétricas nordestinas apresentando cerca de 84% de acumulação, o Nordeste brasileiro poderá vir a dar, novamente, sua parcela de contribuição à região sul do país, enviando significativo volume de energia gerado pelo sistema Chesf.

A nossa preocupação maior, no entanto, prende-se ao fato de haver uma previsão, pelos meteorologistas nordestinos, do início de um novo ciclo seco na região, com seu término compreendido entre 2009 e 2010. Portanto, já estamos nele inseridos. A vontade política de se querer transferir energia ou mesmo usar as águas do rio São Francisco para outros fins – o rio São Francisco é responsável por mais de 95% da energia gerada na região -, remete-nos à necessidade de considerar as conseqüências causadas pela ação desses fenômenos, quando do tratamento dessas questões, sob pena de voltarmos ao quadro preocupante que se abateu sobre o país no ano de 2001. É viver para crer. Mas o fato é que, infelizmente, o nosso desenvolvimento ainda está a mercê da ação dos fenômenos naturais que ocorrem com relativa freqüência no Brasil.

Imaginem os senhores leitores se, além da existência desse ciclo seco, tivermos a ocorrência concomitante do fenômeno El Niño, com as conhecidas mazelas trazidas ao nosso clima, juntamente com o que foi levantado nos estudos realizados pela Operadora Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os quais demonstram que a oferta de energia no Nordeste, em 2009, estará abaixo da sua demanda, ou seja, irá faltar energia novamente na região daqui a três anos. Seria a instalação do caos.

Diante dos fatos aqui relatados, somos tentados a dizer que já vimos esse filme antes. É possível que esse relato seja prenúncio de algumas cenas do próximo espetáculo, com um agravante: em 2001, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, diante de um quadro desolador de falta de energia elétrica no país, comunicou à nação que fora pego de surpresa. O presidente Lula não poderá portar-se da mesma forma que seu antecessor, tendo em vista já ter comunicado à nação que os apagões eram páginas viradas na história do nosso país.

Só nos resta ficar na torcida para que as autoridades decidam essas questões com a clareza, a prudência e a rapidez que o caso requer, levando em consideração o tratamento adequado das condicionantes aqui mencionadas. Somente assim não seremos tentados a nos valer novamente dos céus para a promoção do nosso desenvolvimento. São Pedro poderá estar ocupado no tratamento de outras questões mais urgentes.

João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e um dos maiores especialistas na questão hídrica nordestina.

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