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Artigo – Uma nhaca paira sobre nós

Quem nunca veio a São Paulo talvez tenha dificuldade em imaginar o que é conviver com uma faixa escura preenchendo o lugar onde estaria o horizonte. Os noticiários salpicam aqui e ali a tal da inversão térmica, mas nada de falar sobre o nosso modo de vida e seu conseqüente modelo de desenvolvimento

Sou nascido e criado paulistano, ostentando algumas virtudes e todos os vícios do povo do planalto de Piratininga. Um deles, um certo acomodamento perante o que se olha mas não se vê, fez com que eu sempre deixasse para depois esse assunto. Mas, quarta-feira (12), ao chegar a São Paulo pelo alto, a imagem da cidade imersa numa camada marrom e espessa, uma nhaca de centenas de metros de altitude e quilômetros de largura, foi a gota d´água.

Quem nunca veio a São Paulo talvez tenha dificuldade em imaginar o que é conviver com uma faixa escura preenchendo o lugar onde estaria o horizonte – levantado, por ela, alguns centímetros do seu lugar de direito. Talvez pelo fato disso parecer distante, o paulistano não acredita que está imerso nessa coisa. Só cai na real quando os olhos começam a coçar, a asma ataca ou aquele pigarro fica mais comprido que o de costume. De acordo com o ambulatório de doenças respiratórias do Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores do país, todo o inverno há um aumento de casos de problemas respiratórios, agravados pela poluição.

A verdade é que nos acostumamos a viver dentro de um fumódromo, literalmente. Pois no longo prazo, quem vive em São Paulo mesmo sem tragar tabaco está mais sujeito a desenvolver câncer de pulmão do que moradores de cidades menos “desenvolvidas”.

Chamam de inversão térmica o maldito efeito que dificulta a dispersão de poluentes nessa época do ano (incrível como a natureza é culpada pelas desgraças que nós mesmos cometemos, como se ela tivesse colocados os poluentes lá). Os noticiários salpicam aqui e ali a inversão térmica, mas nada de falar sobre o nosso modo de vida e seu conseqüente modelo de desenvolvimento – verdadeiros réus pela nhaca que paira sobre nós. Carbono, enxofre, chumbo e uma sopa de produtos químicos expelidos por indústrias mas, principalmente, veículos.

O município de São Paulo tem uma manada de quase um carro a cada dois habitantes, cuspindo fumaça no céu. Culpa em parte do nosso pífio sistema de transporte público, que apesar de ter melhorado um pouco nos últimos anos, está longe ainda de garantir que o paulistano que tem carro deixe-o em casa. Mas também culpa de cultivar um estilo de vida em que o sonho de liberdade desliza sobre rodas.

E não é a inspeção veicular, prometida pelo governo do estado, que vai dar conta de resolver o problema. Vamos expulsar Fuscas, Brasílias, Variants, 147s, caminhões velhos de circulação (ou seja, eliminar o meio de locomoção da ralé) mas as propagandas que anunciam carros grandes e potentes, beberrões de gasolina e diesel na televisão continuarão povoando o imaginário e sendo adquiridos pelas classes abonadas. O Rodoanel, que quando concluído circundará a cidade, vai eliminar parte dos caminhões, mas a frota paulistana vai continuar aqui.

O ritmo de destruição do meio foi acelerado para atender a consumidores, mas não cidadãos. E vem cobrando um preço alto, cuja fatura será paga por aqueles que ainda são pequenos. Florestas tombam, rios são poluídos, camponeses e índios expulsos de suas terras. A cidade está envolta em um bizarro chumaço de algodão marrom. Trocar uma sociedade extremamente consumista, em que o “eu sou” se confunde com o que “eu tenho”, leva tempo. Talvez o meio ambiente não tenha esse tempo.

É um modelo diferente de urbanidade que eu quero. Um em que não tenha que ficar angustiado por causa de um pôr-do-sol estranhamente avermelhado, fruto da poeira suspensa no ar. Por isso, vendi meu carro há muito tempo. Ando a pé e de ônibus, uma carona de vez em quando. Mas, conterrâneo paulistano, não desejo convertê-lo a nada, longe disso…

Só quero o céu da minha cidade de volta.


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8 Comentários

  1. Clarissa Beretz

    Deus do céu, não é que eu tava mesmo inconformada com esse assunto e a negligência com a discussão dele qdo li essa matéria? Clap! Clap! Clap! Fico pensando em soluções…pq o Ministério dos Transportes não aplica multas aos veículos cujos escapamentos desregulados emitem aquela fumaça preta? (o dinheiro poderia ser revertido em plantio de árvores em zonas muito urbanas). Eu mesma já saí por aí plantando algumas mudas… Li há algum tempo na coluna do Gilberto Dimentein sobre um filtro criado por um cara aqui de Santana, zona norte, que não permite que esses gases sejam emitidos para a atmosfera. Precisamos criar consciência, estamos inertes, respirando 2gr de pó a cada dia!

  2. Clarissa Beretz

    Ciclovias para incentivar o uso de bicicletas, o meio de transporte mais ecológico, natural e pró-saúde que existe (ok, na conjuntura atual, o ciclista deve andar com uma máscara!). Quem se habilita a fazer um barulho coletivo em prol disso tudo? Abaixo assinado, atos públicos, cobrança de vereadores e deputados? Eu estou a postos! Abraço!

  3. Carmem

    É! Não queremos converter ninguem a nada. Mas nos sentimos muito angustiadas quando são poucos os pequenos cidadãos das grandes cidades que se preocupam com isso. Muitos dos pequenos dizem, quando em sala de aula (sou professora) defendemos um transporte coletivo digno: "Mas professora, não venha nos dizer que a senhora também não quer ter um carro…." pois é.

  4. Clarissa Beretz

    Deus do céu, não é que eu tava mesmo inconformada com esse assunto e a negligência com a discussão dele qdo li essa matéria? Clap! Clap! Clap! Fico pensando em soluções…pq o Ministério dos Transportes não aplica multas aos veículos cujos escapamentos desregulados emitem aquela fumaça preta? (o dinheiro poderia ser revertido em plantio de árvores em zonas muito urbanas). Eu mesma já saí por aí plantando algumas mudas… Li há algum tempo na coluna do Gilberto Dimentein sobre um filtro criado por um cara aqui de Santana, zona norte, que não permite que esses gases sejam emitidos para a atmosfera. Precisamos criar consciência, estamos inertes, respirando 2gr de pó a cada dia!

  5. Clarissa Beretz

    Ciclovias para incentivar o uso de bicicletas, o meio de transporte mais ecológico, natural e pró-saúde que existe (ok, na conjuntura atual, o ciclista deve andar com uma máscara!). Quem se habilita a fazer um barulho coletivo em prol disso tudo? Abaixo assinado, atos públicos, cobrança de vereadores e deputados? Eu estou a postos! Abraço!

  6. Carmem

    É! Não queremos converter ninguem a nada. Mas nos sentimos muito angustiadas quando são poucos os pequenos cidadãos das grandes cidades que se preocupam com isso. Muitos dos pequenos dizem, quando em sala de aula (sou professora) defendemos um transporte coletivo digno: "Mas professora, não venha nos dizer que a senhora também não quer ter um carro…." pois é.

  7. demilton

    Eu sinto que Brasília também está ficando igual a São paulo em vários aspectos negativos, principalmente em questão de poluição, tanto do ar como sonora e visual.

  8. demilton

    Eu sinto que Brasília também está ficando igual a São paulo em vários aspectos negativos, principalmente em questão de poluição, tanto do ar como sonora e visual.