Em carta enviada ao Ministério Publico Fereral, à Ordem dos Advogados do Brasil e à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Governo Federal (SEDH) nesta segunda-feira (24), a Comissão Pastoral da Terra do Alto Xingu, localizada em Tucumã (PA), cobrou uma atitude de autoridades contra a situação de violência em São Félix do Xingu, no Sul do estado. Neste ano, segundo a CPT, aconteceram no município três atentados a pessoas que requeriam seus direitos trabalhistas e seus familiares. Nesses episódios, duas pessoas morreram, entre elas uma criança de 11 anos, e outra ficou gravemente ferida.
Dados de 2002 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontam que o município era o que apresentava a maior extensão de área desmatada. Enquanto isso, relatórios de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, entre 2002 e 2004, São Félix do Xingu foi o município com o maior número de ações de libertação de escravos.
Vale lembrar que o Estado brasileiro, desde os anos 50, incentiva a "conquista" da Amazônia pelo capital privado nacional e internacional. O poder público é leniente com a situação, seja porque não consegue implantar um outro padrão de desenvolvimento, seja porque foi cooptado pelo poder econômico. Nesse contexto, posseiros, indígenas e comunidades tradicionais são expulsos para a ampliação da área agricultável e trabalhadores são explorados até o limite e descartados.
Segundo a assessoria do ministro chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, até o fechamento desta reportagem ele não havia recebido a carta e, por isso, não poderia se manifestar.
Dos assassinatos citados pela CPT, o mais recente aconteceu em 4 de junho, em uma fazenda situada a 70 quilômetros da sede do município. De acordo com a carta, Henrique Aparecido Ribeiro, 11, e seu irmão mais novo, de 8 anos, foram forçados a se embriagar às margens de um rio por três empregados da fazenda Estrela do Xingu. O mais velho desapareceu e seu corpo foi encontrado três dias depois, boiando às margens do rio, já em estado de decomposição, com um corte na jugular e uma orelha decepada. No dia anterior ao crime, o pai do garoto, Sidney Aparecido Ribeiro, ex-empregado da Estrela do Xingu, teria se dirigido à fazenda para cobrar seus direitos trabalhistas. Nesse momento, segundo a CPT, ele foi ameaçado de morte pelo proprietário, o fazendeiro Ronan Garcia dos Reis. Até agora, apenas um dos empregados da fazenda envolvidos no caso foi indiciado, mas não foi preso.
Na carta enviada, a CPT reclama que as investigações da Polícia Civil muitas vezes são mal conduzidas, e que o poder Judiciário local é moroso. A delegada do município, Cláudia Guedes, defende-se. "São Félix é o segundo maior município do mundo, onde impera a cultura do medo. As pessoas às vezes sabem, mas não colaboram com a polícia. Além disso, há vilas do município em que se demora três dias apenas para chegar."
Para Leidiane Pias, agente da CPT Alto Xingu, é a mesma "cultura do medo" que impede trabalhadores de buscar seus direitos. "A cultura de procura dos direitos ainda não existe. Ninguém vai atrás com medo do patrão", conta.
Trabalho sem remuneração
Dois meses antes de Henrique morrer, o trabalhador Cláudio Pontes escapou com vida de uma tentativa de homicídio, quando foi baleado no braço, pescoço e tórax. No momento do atentado, Pontes teria reconhecido o autor dos tiros: um pistoleiro da região chamado Dorgival e conhecido como "Cabeça". Em fevereiro, Cláudio havia recebido R$ 1.400,00 por causa de um acordo trabalhista com Francisco Adelbaldo Pereira de Araújo, proprietário da fazenda Cristalina, onde trabalhou por 90 dias sem receber nada. Na época do crime, Dorgival não foi preso e, até o fechamento desta matéria, a delegacia de São Félix do Xingu não tinha informações sobre o caso. Cláudio Pontes, com medo de novos atentados, deixou a região.
O terceiro atentado aconteceu em janeiro, quando o trabalhador Antônio Bezerra da Silva morreu após ser alvejado com três tiros na cabeça. Apesar do homicídio ter ocorrido dentro de um bar, na presença de várias pessoas, ninguém identificou o assassino, que fugiu na hora. Dois meses antes de sua morte, Antônio havia procurado a CPT para pedir orientações trabalhistas. Ele havia prestado serviços para a fazenda Tabapuã. Calculou-se que ele deveria receber R$ 8 mil de verbas indenizatórias, pois ele teria trabalhado um ano sem receber.
De acordo com a advogada trabalhista Regina Zercellon, procurada por Antônio para representá-lo em ação contra Tabapuã, não foi possível entrar na Justiça, porque o trabalhador não tinha CPF. Procurada pela reportagem, ela afirmou que uma pessoas que não possui documentação básica não existe para o Estado brasileiro.