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Especial São Paulo: Em busca de renovação

As ruas do centro já foram o endereço da vida social paulistana, e, hoje, enfrentam o estigma da violência. Há projetos para mudar a situação, mas que revelam conflitos de interesse quanto ao futuro da região. Para entender melhor esse quadro, a Repórter Brasil traz uma série de cinco reportagens sobre o tema

Dois milhões de pessoas transitam diariamente pelo centro de São Paulo, onde se localiza expressiva parte da memória e do patrimônio histórico da maior cidade da América do Sul. Apesar de ainda concentrar um elevado número de empregos, contar com uma farta rede de transporte coletivo e possuir uma moderna infra-estrutura, a região já não representa o coração financeiro da capital do estado mais rico do Brasil. Se no passado o centro foi endereço dos negócios e do glamour paulistano, hoje enfrenta o estigma do abandono e da violência. A requalificação dessa área tão importante para o município é uma missão que mobiliza o governo, nas esferas federal, estadual e, principalmente, municipal. Reverter o esvaziamento populacional ocorrido nas últimas décadas, atrair investimentos para dar mais oxigênio à economia da região e combater a degradação de espaços públicos e imóveis particulares são alguns dos principais desafios a ser superados. É o que mostrará uma série de reportagens sobre o tema, que começa abaixo.

Projeto Nova Luz quer transformar a Cracolândia em reduto de agências de publicidade e instituições de ensino

Da lanchonete Pitchula, na esquina da Rua dos Gusmões com a Couto de Magalhães, no bairro da Luz, pode-se observar a área que o inconsciente coletivo dos paulistanos considera o principal reduto do tráfico de drogas e de atividades ilícitas no centro de São Paulo: a Cracolândia. Mas o dono desse restaurante de nome popular – nas redondezas da refinada Sala São Paulo, sede da Orquestra Sinfônica do Estado – não partilha dessa opinião. Em dez anos de funcionamento, seu bar foi assaltado apenas uma vez, e "por bobeira", ressalva. Ele garante que a relação com os usuários da droga que batizou aquela região é bastante tranqüila. Também se diz cansado de ouvir idéias para recuperar as imediações.

O terreno da lanchonete situa-se numa área que o governo municipal pretende em breve desapropriar com o objetivo de colocar em andamento uma das mais alardeadas e polêmicas empreitadas de requalificação do centro formuladas nos últimos anos: o Projeto Nova Luz. A idéia é transformar o bairro e o entorno da Rua Santa Ifigênia num pólo do chamado setor terciário avançado, destinado a abrigar instituições de ensino, agências de publicidade e shopping centers. "O projeto tem como intuito atrair investimentos para gerar empregos", define o prefeito Gilberto Kassab. Essa é a grande aposta da gestão iniciada por José Serra para varrer a Cracolândia do mapa. No papel, o primeiro passo é derrubar o quarteirão em que se encontra a Pitchula, que cederá espaço às novas sedes da subprefeitura da Sé e da Companhia de Processamento de Dados do Município (Prodam).

O prefeito Gilberto Kassab (esq.) e o subprefeito da Sé, Andréa Matarazzo (dir.): abertura dos calçadões, reforma de praças e o fim da Cracolândia entre as prioridades para o centro

O Nova Luz é o capítulo mais recente da longa história de tentativas de recuperação do centro da maior metrópole brasileira, missão que desafia governantes há pelo menos 30 anos. Para entender o processo de degradação da região, é preciso viajar à década de 1940, quando a elite paulistana atravessou o vale do Anhangabaú e fez morada nas cercanias das praças Ramos de Azevedo e República, deixando para trás o "triângulo histórico" formado pelas ruas Direita, 15 de Novembro e São Bento. Época de vida cultural agitada: dos quase 150 cinemas que havia na região até a metade do século passado, hoje sobrevivem pouco mais de uma dezena, que dependem de filmes pornográficos para não fechar as portas.

Nos anos 1960, o ritmo de expansão da cidade se acentuou e, acompanhando o setor imobiliário, que passou a atender a demanda dos consumidores de alta renda por habitações mais modernas, bancos e empresas subiram a Rua da Consolação e aportaram na Avenida Paulista. Esse deslocamento em direção ao quadrante sudoeste da cidade seguiu firme e forte nas décadas seguintes, passando pela Avenida Faria Lima e, nos últimos tempos, chegou à Marginal Pinheiros e à Avenida Luiz Carlos Berrini. Porém, mesmo com a mudança das elites para bairros afastados do centro, a infra-estrutura lá existente ainda alimenta a especulação imobiliária e mantém o metro quadrado da região como um dos mais caros da cidade. "Quem quer morar não pode pagar. E quem pode pagar não quer morar", resume Nabil Bonduki, ex-vereador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Nabil Bonduki foi vereador pelo PT e relator do Plano Diretor Estratégico do município: "não se deve privilegiar uma área pequena, como prevê o Projeto Nova Luz."

"O centro foi, então, ocupado por uma série de atividades populares e redes informais, de camelôs a cooperativas de catadores de material reciclável. Há também movimentos sociais que lutam pelo direito à habitação, organizações que trabalham a questão do gênero com prostitutas. O maior problema da região é a forma como o poder público tem lidado com essa multiplicidade de facetas", afirma a urbanista Beatriz Kara, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab) da FAU-USP.

As políticas de recuperação do centro postas em prática nos últimos anos se concentram principalmente em dez distritos – Bela Vista, Bom Retiro, Brás, Cambuci, Consolação, Liberdade, Pari, República, Santa Cecília e Sé. São áreas de "reestruturação e requalificação", segundo o Plano Diretor Estratégico (PDE), lei aprovada pela Câmara Municipal em 2002 para regular o uso dos espaços físicos da capital. Lá moram atualmente apenas 4% da população do município, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somente entre 1992 e 2000, a região perdeu 23% dos seus empregos, e em distritos como Sé e República, símbolos por excelência de São Paulo, a taxa de desocupação dos imóveis chega a 18%.

"O centro precisa ser pensado de maneira ampla. Não se deve privilegiar uma área pequena, como prevê o Projeto Nova Luz, por exemplo, por mais relevante que seja", afirma Bonduki. O que é preciso fazer, então? O próprio PDE, do qual o ex-vereador foi relator, fornece as indicações para modificar esse cenário: repovoar a região, dinamizar os setores de comércio e serviços, além de reorganizar o sistema de transporte coletivo e conservar o patrimônio histórico.

Saiba mais sobre o Projeto Nova Luz

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Cultura no fim do túnel
Requalificação ou higienização?

Produzido graças a uma parceria com a revista Problemas Brasileiros


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2 Comentários

  1. mauricio

    Eu tb gosto do centro, de pudesse eu moraria la! Quanto a querer mudar a situação atual vai ser muito dificil! Vai mexer com muita gente, aquilo ali ja esta infestado, creio que o que havia no passado ja era. Tudo bem que aja boa vontade, mas as pessoas não pensam todas as mesma coisa, uma união feita por todos com um unico pensamento seria algo miraculoso d+ para esse nosso brasil!

  2. SERGIO LUIZ

    Concordo que é preciso melhorar a cara do centro mas não maquiar os problemas indo nos jornais e canais de Tv Como faz nosso atual prefeito que tira de uma regiao que tem eventos pra rico como a estação Julio Prestes e Luz e empurra o problema para areas que sao habitadas por moradores como a regiao da al Barao de Limeira e Rua dos Gusmoes e Pça Julio Mesquita que esta infestada de Viciados que consomem suas drogas a qualquer hora do dia e noite.
    Resolver sim; maquiar não fica aqui meu protesto.