PEC 438: um fim ao trabalho escravo no Brasil!

 11/07/2006

Por Tarcísio Zimmermann*

Uma das formas contemporâneas de escravidão mais utilizadas é a chamada servidão por dívidas, que afeta pelo menos 20 milhões de pessoas no mundo. Os trabalhadores caem nessa armadilha quando são ardilosamente levados a tomar empréstimos para custear remédios, alimentação, transporte ou habitação. Para pagar seus débitos, são forçados a trabalhar por longas jornadas, diariamente, sete dias por semana, durante todo o ano.

Recebem por isso não mais que abrigo e alimentação como forma de pagamento e nunca conseguem quitar sua dívida, e são forçados a continuar trabalhando por meio do uso ou ameaça de violência e do isolamento. Esses trabalhadores passam, então, a ser "possuídos" e controlados por seus pseudo-empregadores, sofrem maus tratos físicos ou mentais e restrição na sua liberdade de movimento. Em resumo, são desumanizados e tratados como "coisa".

Embora possa ocorrer no meio urbano, a servidão por dívida é muito mais freqüente em áreas rurais, onde encontra condições mais favoráveis para prosperar, tais como o isolamento e a dificuldade de acesso, a dispersão populacional, a ausência do Estado, a pobreza, o baixo nível de organização sindical dos trabalhadores, a falta de outras oportunidades de trabalho e a desinformação.

Estima-se que existam, hoje, perto de 25 mil trabalhadores sujeitos ao trabalho escravo no Brasil. Como resposta, o Governo brasileiro elaborou o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, buscando construir uma política pública permanente, dedicada à repressão do trabalho escravo. A alteração constitucional, permitindo a expropriação de imóveis onde forem encontrados trabalhadores escravizados, é, aliás, uma da metas desse Plano.

A disposição do Estado e da sociedade brasileira hoje não é apenas a de combater o trabalho escravo e sim erradicá-lo. Os obstáculos que se levantam nesse caminho são muitos. Além da necessidade de aparelhamento da fiscalização, num país de dimensões continentais, há o problema de que as sanções administrativas circunscrevem-se ao descumprimento da legislação do trabalho. O valor das multas não tem, por si só, o potencial de inviabilizar economicamente o "negócio" da escravidão. Em alguns casos, a cobrança em juízo pode se tornar mais dispendiosa do que o valor da multa.

A eficiência da fiscalização é fator importante no combate à escravidão, mas para dar um basta a essa situação, o mais rapidamente possível, será necessário adotar medidas ainda mais enérgicas tais como a Proposta de Emenda à Constituição nº 438-A, enviada pelo Senado Federal à Câmara dos Deputados, que altera o art. 243 da Constituição Federal para dispor sobre o confisco do imóvel rural em que for constatada a exploração de trabalho escravo. Da mesma forma, pelo texto da Proposta, serão confiscados todos os bens de valor econômico apreendidos em decorrência da exploração do trabalho escravo. Em ambos os casos, a expropriação prescindirá de qualquer indenização.

Estamos certos que a aprovação da PEC dará ao Estado um instrumento de punibilidade ágil, eficiente e adequado. Isso significará, sem dúvida, o fim da impunidade. A experiência ensina que, em relação a qualquer prática criminosa, somente a certeza da sua punição é capaz de erradicá-la.

As providências que deveríamos tomar, desde então, para elevar a condição de todos os trabalhadores custam-nos, hoje, muito caro. Não podemos deixar de fazer uma profunda reflexão do significado maior da PEC 438-A. Transcorrido mais de um século desde a Lei Áurea, o Parlamento brasileiro tem diante de si a missão de discutir e votar outro importante documento jurídico sobre o trabalho escravo. Não podemos deixar, pois, de considerar que estamos diante de um momento histórico para a Nação, o momento de uma segunda Abolição.

Diferentemente da primeira, não ignoraremos os alertas daqueles abolicionistas sobre a função social da propriedade e da profunda relação entre trabalho escravo e democratização da propriedade. Por isso a PEC estabelece que a propriedade utilizada para a escravização dos homens deve ser não só expropriada como também repartida entre os trabalhadores nela escravizados. Assim, pune-se severamente o escravizador e ampara-se o trabalhador libertado, promovendo-lhe a cidadania em todos os aspectos.

Por outro lado, à semelhança da primeira Abolição que não seria possível sem a resistência dos quilombolas, sem a solidariedade dos homens livres, sem a luta dos ex-escravos, poetas, jornalistas e parlamentares, essa segunda abolição resulta da mobilização de trabalhadores humilhados e desumanizados pela ganância e pela violência, pela mobilização das organizações religiosas, das entidades promotoras dos Direitos Humanos, da sociedade e do Estado brasileiro que não aceitam mais a continuidade de práticas que agridem a dignidade da pessoa humana.

*Tarcísio Zimmerman é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul

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