Em reunião prevista para o início de agosto, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado decidirá se dará parecer favorável à emenda aditiva nº 94, proposta pelo senador Ney Suassuna (PMDB-PB), que impede que auditores do Governo Federal, inclusive do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), reconheçam vínculo empregatício entre trabalhadores e empregadores. Caso a emenda, que foi proposta ao projeto de lei que trata da "Super-Receita" (PLC 20/2006), seja aprovada no Congresso, o único órgão autorizado a reconhecer esses vínculos será a Justiça do Trabalho. Além de Suassuna, mais 62 senadores assinaram apoiando a proposição da emenda, tanto da oposição quanto da base governista. Isso representa cerca de 78% do 81 senadores.
Procurado pela reportagem, Ney Suassuna não respondeu para comentar a emenda. O senador é candidato à reeleição e nesta terça-feira (18) seu nome foi citado em uma lista da CPI dos Sanguessugas como um dos investigados no envolvimento no esquema de compra superfaturada de ambulâncias.
Seu gabinete afirmou que a emenda foi proposta atendendo a pedido de empresas de comunicação, que costumam utilizar serviços de jornalistas colaboradores na forma de pessoas jurídicas. O artifício isenta os veículos de comunicação do pagamento de encargos trabalhistas. "Essas pessoas jurídicas são constituídas especificamente para fraudar a relação de emprego", observa Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Insatisfeitas com a atuação dos auditores do trabalho, essas empresas estariam pressionando para que o vínculo possa ser reconhecido apenas pela Justiça. A assessoria do senador não quis revelar quais seriam essas empresas.
O diretor de assuntos legislativos da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Moysés Simão Sznifer, aponta, ainda, uma brecha perigosa para o Tesouro Nacional que a emenda traz embutida: "Imaginemos uma situação em que o empregado faça um conluio com o empregador, para não pagarem tributos. Se nenhuma das partes acionar a Justiça, como fica o crédito da União, previdenciário, da receita?".
A proibição dos auditores em reconhecer vínculos trabalhistas poderia tornar ineficaz a fiscalização feita pelo MTE. Em qualquer caso em que não houvesse um contrato formal, como a assinatura da carteira de trabalho, os auditores ficariam impeditos de autuar o empregador. "Essa emenda inviabilizaria a fiscalização", prevê Ruth Vilela, chefe da Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho do MTE. Para Sznifer, os maiores beneficiados pela mudança seriam os que não cumprem a lei. "Isso estimularia a fraude à legislação, o contrato informal, o não registro", avalia.
O combate ao trabalho escravo pode ser uma das áreas prejudicadas pela emenda, pois a aprovação da proposta de Suassuna anularia o maior instrumento de repressão do MTE, que são as multas trabalhistas aplicadas durante as ações do Grupo Móvel de Fiscalização. Sem poder reconhecer vínculos trabalhistas, os auditores não podem emitir carteiras de trabalho provisórias – comum nessas operações – e exigir pagamento das rescisões contratuais. Esse pagamento só seria realizado se algum trabalhador entrasse com uma ação na Justiça do Trabalho e o processo fosse julgado até a última instância, o que poderia levar anos. Considerando o temor que muitos desses trabalhadores sentem de seus patrões na região de fronteira agrícola – devido à violência com que comumente são tratados – dificilmente um deles entraria com um processo contra o empregador.
Outros tipos de relações trabalhistas ilegais que podem ser estimuladas pela emenda são terceirizações irregulares, cooperativas fraudulentas e contratos irregulares de pessoas jurídicas ou de autônomos.
Poderes deslocados
Na avaliação do MTE, a emenda representa uma confusão de poderes, atribuindo tarefas administrativas, do Executivo, ao Poder Judiciário. Enquanto a função da Justiça do Trabalho é solucionar disputas entre trabalhadores e empregadores, e é acionada apenas quando uma das partes a requisita, a Inspeção do Trabalho, do MTE, tem função preventiva e punitiva, não necessitando que patrões ou empregados a acionem.
O vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Claúdio Montesso, ratifica a posição do MTE, e ressalta que os dois poderes atuam de forma diferente, mas trabalham em harmonia. "Se a fiscalização tivesse recursos suficientes para autuar todas as empresas que descumprissem a legislação, a Justiça do Trabalho teria um trabalho muito menor", explica. O contrário – a redução do poder de fiscalização – aumentaria a lentidão do sistema judicial.
Hoje, após a autuação pelos auditores fiscais do trabalho, o empregador tem dez dias para apresentar um recurso administrativo junto ao MTE. Caso o recurso não seja aceito, é possível recorrer administrativemente mais uma vez, no momento em que a notificação é recebida. Durante ou após esse processo, ainda há a opção de apelar à Justiça do Trabalho.
"Super-Receita"
O projeto de lei que prevê a criação da "Super-Receita", um órgão que englobaria a Receita Federal e a Receita Previdenciária, também regulamenta as atribuições dos auditores do novo órgão e do MTE.
Apesar da emenda de Suassuna entrar como parágrafo único do artigo que trata dos auditores fiscais da Receita, e não do MTE, juristas afirmaram à reportagem que a mudança tende a afetar também a Inspeção do Trabalho. O motivo é que a emenda, como está colocada, pode dar margem à essa interpretação, embora o caput se refira à Receita Federal.
Prevendo restrições em sua atuação, auditores fiscais do Sinait estão solicitando aos senadores para que não aprovem a emenda na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde será colocada à apreciação na próxima reunião, prevista para o início de agosto. Caso a emenda seja aprovada e anexada ao texto da PLC 20/2006, o projeto de lei ainda precisará ser votado no plenário do Senado e retornar à Câmara dos Deputados, seguindo então ao presidente da República, que tem o poder de vetá-lo integralmente ou parcialmente.
Acompanhe o andamento, no senado, do projeto de lei PLC 20/2006, que trata da "Super-Receita".