A Repórter Brasil está sob censura judicial desde o dia 9 de outubro de 2015. Saiba mais.

“A terceirização é a desgraça das relações de trabalho”

Em entrevista, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, José Nilton Pandelot, explica como a crescente opção por terceirizar serviços, lucrativa às empresas, pode trazer grande prejuízo à cidadania brasileira

Na última quinta-feira (24), a operadora de telefonia Telemar foi condenada pela Justiça do Trabalho no município de Cabo Frio (RJ) a pagar R$ 1,5 milhão a título de danos morais coletivos por sujeitar trabalhadores a condições degradantes. Em 2004, 12 trabalhadores que faziam reparos no cabeamento telefônico da cidade foram flagrados em alojamentos precários, trabalhando sem acesso água potável, entre outras irregularidades.

O detalhe é que os trabalhadores não eram empregados da Telemar. Prestavam serviços à uma empresa chamada FACTEL, que por sua vez era contratada da ETE – Engenharia de Comunicações Elétricas S.A, que vendia seus serviços à Telemar.

Para baratear os custos com mão-de-obra, o expediente utilizado pela empresa de telefonia tornou-se comum no mercado de trabalho, e por conseqüência os salários e condições pioraram. O que muitas empresas ainda não se deram conta, porém, é que judicialmente elas podem ser responsabilizadas pelas más condições de trabalho oferecidas pelas empresas que lhes prestam serviços. Dessa forma, o que é barato pode sair caro.

Para explicar como a Justiça do Trabalho trata esse tipo de relação de emprego, a Repórter Brasil entrevistou o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), José Nilton Pandelot, que explicou a diferença entre os diversos tipo de terceirização e alertou sobre a precarização das condições de trabalho.

Repórter Brasil – A terceirização tem crescido muito e várias pessoas já a apontam como um caminho sem volta. A fiscalização do trabalho e a Justiça do Trabalho estão preparadas para conter esse processo de precarização das relações do trabalho que surgirá junto com a terceirização?
José Nilton Pandelot – Eu diria que a terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho. Porque essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela se desvia da sua finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai determinar uma redução da renda do trabalhador, vai diminuir o fomento à economia, diminuir a circulação de bens, porque vai reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande quando se pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a economia. Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores. Eles têm que estar empregados e ganhar bem para os bens circularem no mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar dessa forma, com uma terceirização que serve para a redução e a precarização da mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de um modo geral.

A Justiça do Trabalho está estruturada para coibir, mas temos que entender que o judiciário só age provocado. O ordenamento jurídico fornece um instituto importante para o controle dessas terceirizações fraudulentas, que é a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho. A vantagem da ação civil pública é que ela, de uma só vez, pode alcançar toda a terceirização de uma determinada empresa, ou talvez até de determinado setor da economia nacional. Enquanto a ação individual resolve o problema de um trabalhador, a ação coletiva resolve o problema de toda uma categoria.

A legislação brasileira é clara na regulamentação da terceirização?
Sim. A legislação estabelece que o trabalho pessoal prestado ao empregador, de forma remunerada e não eventual, deve se dar na forma de contrato com a carteira de trabalho anotada. Excepcionalmente, existem algumas leis que permitem a terceirização de atividades "meio", ou seja, as atividades que não sejam a principal da empresa, como o serviço de vigilância ou o serviço de limpeza, feitos por trabalhadores fornecidos por empresas terceirizadas. E na hipótese de trabalho temporário, a lei é bem precisa: são casos extraordinários de aumento de atividades, de substituição de pessoal ou até a contratação de serviço especializado.

O que acontece, no entanto, é a utilização indiscriminada da terceirização na atividade privada. Existem empresas que terceirizam até mesmo seções inteiras de sua produção, fenômeno que começou na indústria automobilística na década de 80. Hoje, se tem o terceiro que produz o pneu, o terceiro que produz a roda, o terceiro que faz a pintura, um outro que entrega o motor, e assim sucessivamente. O resultado desse processo, nesses mais de 20 anos, acaba resultando em uma ampla transferência da mão-de-obra direta empregada para empresas terceirizadas. Hoje nós temos mais trabalhadores terceirizados do que trabalhadores empregados.

Então houve um desvirtuamento da terceirização?
A terceirização foi idealizada para dar mais eficiência à produção. Todavia, o empresário brasileiro se utilizou dela para reduzir o custo da mão-de-obra. Então é natural, infelizmente, que os trabalhadores tenham uma redução drástica em seus salários pelo fato de terem ido trabalhar em empresas terceirizadas. Existem fraudes terríveis. Por exemplo, temos histórico de empresas que dispensavam todos os seus empregados, orientando que eles fossem contratados por uma empresa terceirizada. Aí a empresa principal contratou os serviços dessa empresa terceirizada.

Muitas vezes, quando há a terceirização, os empregados dessa empresa terceirizada não recebem os benefícios do acordo coletivo daquela categoria. Ele deixa de pertencer àquela categoria. Os bancários, por exemplo. Houve um fenômeno da "bancarização" – serviços bancários prestados por lotéricas, supermercados, em lojas de shoppings centers. E esses trabalhadores, que praticamente exercem uma atividade de bancário, não recebem os benefícios porventura estabelecidos nas convenções coletivas de bancários. Isso é um fenômeno que está disseminado no mercado de trabalho brasileiro e traz prejuízo para o empregado.

Por fim, há outra forma de trabalho mais precarizado ainda que existe para evitar a aplicação da própria legislação trabalhista, que é o caso da contratação de empregados no modelo de cooperativa, ou então a exigência de que os empregados se constituam como pessoa jurídica.

A empresa que terceiriza pode ser responsabilizada por eventuais relações perversas de trabalho entre a empresa terceirizada e os empregados dela?
Nos casos de simulação de cooperativa, de pessoa jurídica para impedir a aplicação da legislação, o trabalhador pode ir à Justiça do Trabalho postular a existência do vínculo de emprego diretamente com a tomadora do serviço. Essa empresa que tomou o serviço será obrigada a anotar a carteira de trabalho e a pagar todos os direitos do trabalhador.

No caso da terceirização ilícita, como a empresa que terceiriza a atividade fim (a empresa que faz papel, por exemplo, contrata uma terceira empresa para fazer a mesma atividade, pagando um menor salário e dizendo que os trabalhadores não são os trabalhadores da indústria gráfica), o juiz também pode reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a tomadora. Manda-se anotar em carteira com a tomadora de serviço e pagar todos os direitos do empregado.

Há casos de problemas com a terceirização dentro da lei, que é a atividade-meio, principalmente aquela vinculada à vigilância e à limpeza, serviços especializados ou contratos temporários para alguma atividade extraordinária. Neste caso, a jurisprudência da Justiça do Trabalho tem reconhecido que a tomadora do serviço tem responsabilidade de segundo grau. Ela se reponsabiliza em segundo lugar pelos créditos trabalhistas porventura reconhecidos na Justiça do Trabalho. Então o trabalhador entra na justiça contra a empresa terceirizada, que é a prestadora de serviços e empregadora de fato dele, e também contra a empresa tomadora de serviços, que é a empresa terceirizante. Ele pede o crédito dele e, caso a empregadora direta não tenha patrimônio suficiente para quitar, a empresa principal responde por esse débito.

Há tempo que se exige uma reforma trabalhista para "modernizar" as relações de trabalho. Na hipótese dessa reforma, o que seria importante observar quanto à terceirização?
Primeiro, vou denunciar o governo federal na expressão "modernização da legislação de trabalho". O governo está apenas aplicando a palavra modernização em substituição à palavra flexibilização. Porque flexibilizar significa precarizar, reduzir direitos dos trabalhadores. Como é uma palavra que ficou estigmatizada (e o processo flexibilizante foi duramente combatido nos oito anos de governo Fernando Henrique e também foi duramente criticado no governo Lula) surge o governo agora com essa palavra "modernização da legislação trabalhista". Eu não sei o que isso seignifica. Gostaria de compreender o que o governo pretende com a dita modernização da legislação trabalhista. A Anamatra não vai aceitar do governo federal nenhuma proposta que reduza ou elimine os direitos já existentes e reconhecidamente consquistados pelo trabalhador brasileiro, que estão na legislação intra-constitucional e na própria Constituição brasileira. Se modernizar significa eliminar direitos, a Anamatra é contra.

Então não há nada a ser mudado na legislação com relação à terceirização?
Não vejo como modernizar a terceirização. Principalmente essa terceirização que está na moda, que serve para reduzir o salário nominal do trabalhador, para fazer com que esse trabalhador deixe de ser protegido por normas previstas em convenções e acordos coletivos de trabalho. Essa proposta nós estamos descartando.

Matéria relacionada:
MPT alerta para trabalho escravo em fornecedores da C&A

Foto de abertura: Victor Soares/Anamatra/Divulgação


Apoie a Repórter Brasil

saiba como

9 Comentários

  1. Fabio Antony Bezerra

    Felicidade das relações de trabalho é o emprego CLT, por prazo indeterminado. Mas cadê os empregos que tanto defendem????

  2. Fabio Antony Bezerra

    Felicidade das relações de trabalho é o emprego CLT, por prazo indeterminado. Mas cadê os empregos que tanto defendem????

  3. Hélio Leite

    Precisamos acabar com a industria de processos na JT. Uma vergonha! Nada investigado nesta justiça unilateral destruidora de empregadores muitas vezes através de fraudes processuais. Se não bilateralidade na justilça, esta não pode ser considerada justiça e sim INJUSTIÇA DO TRABALHO

  4. Miguel Nolasco de Carvalho Neto

    De fato, a terceirização tem suscitado a precarização das relações de trabalho. Entretanto, isso é uma falsa terceirização. Não se pode olvidar, entretanto, que as empresas poderão tomar consciência de que estão num mercado competitivo, que exige qualidade. Essa exigência tem ocasionado um maior investimento das empresas quanto a treinamentos, qualificações, etc.; espero que não apenas as grandes, mas médias, pequenas e microempresas abandonem a teoria do "menor custo", e apontem seus objetivos para o "melhor custo". Isso é prova de desenvolvimento. Por outro lado, as empresas precisam de mais recursos e garantias para implementar essa melhoria. Com a palavra, nossos governantes e juízes.

  5. Luiz Mattos

    As respostas do entrevistado que, pelo seu posto de Presidente da Associação dos Magistrados, deveriam apresentar conhecimento e imparcialidade, denotam total desconhecimento da realidade e uma absurda parcialidade de pré-julgamento generalizando o preconceito de que toda terceirização é ilegal e maléfica. Não é à toa que qualquer que seja a empresa, comprovando com fatos, rovas documentais e testemunhais que cumpriu rigorosamente com as obrigações legais e trabalhistas, sempre é considerada "culpada" em qualquer lide. Isso estimula a "fábrica" de processos trabalhistas. Os juizes, usurpando-se como executivo e legislativo, impõe politica de "justiça social robinwoodiana".

  6. José do Patrocínio

    Luiz, não viaja, cara. Vá aprender Direito! A Justiça do Trabalho é a única que, constitucionalmente, dá o ônus da prova ao empregador e não ao empregado. O que é muito bom, tendo em vista a exploração a que é submetida a classe trabalhadora no Brasil.

  7. antonio miranda

    Este comentário veio tarde porque só hoje descobri este site. Concordo plenamente com o Dr. José Nilton. Na minha opinião querem para o Brasil o que já tem nos EUA por exemplo, só que esquecem que existe uma grande diferença cultural nas relações patrão-empregado entre estes dois paises. Lá seja qual for a mão de obra ela é valorizada, coisa que aqui todo mundo sabe. Eu por exemplo trabalho no Estado de São Paulo fazendo entrega de listas telefonicas e este serviço nem salário se paga, pagam apenas r$0,05 por lista entregue sendo as despesas todas por nossa conta (hotel,comida,viagem,etc). Vivemos de gorgetas (que eles proibem). Nosso salário é pago pelos assinantes que contribuem.

  8. Jurandir Guerra

    Reportagens como esta deveriam ser distribuidas pelos sidicatos nas empresas que tercerizam servisos para os func se atualizarem ,muitos gostan de ler mas jornal e caro e a NET piorou,oujornais como oMETRO,obrigado e muito bom o esclarecido desta.

  9. sebastiao

    a tecerizaçao é uma vergonha no pais o trabalhador perdeu o valor nao tem uma empresa tecerizada que pague o mesmo valor recebido do primeiro contrato ao seu subordinado ele tira premeiro sua parte depois dividi o que sobrou entre seus teceiros cader o ministerio do trabalho? cader nossos representantes politicos?