Moradores de rua

Entidades pressionam TJ pelo fim da impunidade do massacre em SP

Dois anos depois dos crimes que deixaram sete mortos e seis feridos, população de rua e organizações da sociedade civil se reuniram com o Tribunal de Justiça para apressar o andamento de recurso contra a rejeição da denúncia do caso feita pelo Ministério Público
Fernanda Sucupira
 24/08/2006

esta quarta-feira (23), uma comissão formada por representantes da Pastoral do Povo de Rua e de outras organizações ligadas a essa população pressionaram o presidente do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo pelo fim da impunidade do massacre dos moradores de rua no centro da capital paulista, que completou dois anos no dia 19 de agosto. A audiência foi resultado da manifestação que reuniu centenas de pessoas na Praça da Sé, na sexta-feira (18), para marcar o triste aniversário dos crimes que deixaram sete mortos e seis feridos.

Na reunião com Celso Limonge, presidente do TJ, a comissão pediu que a audiência do recurso contrário à rejeição da denúncia seja marcada o mais rápido possível. Em outubro de 2005, após um ano e dois meses de investigações por parte do Ministério Público (MP) e do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), foi apresentada a denúncia e o pedido de prisão preventiva de seis pessoas. Cinco policiais militares e um segurança clandestino foram acusados não só de assassinar sete pessoas e deixar outras seis gravemente feridas como também do crime de formação de quadrilha e associação para o tráfico de drogas.

Poucos dias depois, no entanto, o juiz Richard Francisco Chequini, do 1º Tribunal do Júri, rejeitou a denúncia, alegando ausência de provas suficientes para abrir um processo contra eles – decisão que deixou indignados grupos e organizações da sociedade civil que desde o início lutam para que a chacina não fique impune.

Para tentar reverter essa situação, o MP entrou com um recurso contra a rejeição da denúncia, que tem duas fases. Na primeira, o próprio juiz ou outro juiz do 1º Tribunal do Júri poderia rever a decisão, fazer uma retratação e receber a denúncia. Como isso não ocorreu, esse recurso foi para o Tribunal de Justiça, instância imediatamente superior. De acordo com Maurício Antonio Ribeiro Lopes, um dos promotores de Justiça responsável pelo caso, esse recurso pode demorar de dois a três anos para ser julgado. Por isso, a comissão com representes da sociedade civil protocolou uma carta no TJ, contando o histórico do caso e solicitando o apressamento desse processo.

De acordo com o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, o presidente do órgão afirmou que não pode interferir na marcação da audiência, mas se comprometeu a encaminhar a carta ao desembargador relator do recurso. Quanto à atual situação de impunidade, Lancellotti afirma que “causou muito impacto quando o primeiro promotor não quis oferecer a denúncia e quando o juiz não a aceitou, afirmando que eram insuficientes as provas, o que achamos muito estranho”. “Isso tudo só acontece por serem moradores de rua”, completa o padre.

“Singela condição de suposição”
Em catorze meses, promotores e investigadores do DHPP buscaram construir com todos os detalhes possíveis cada um dos crimes, encontrar provas e testemunhas, colher depoimentos. Ao todo, cerca de duzentas pessoas foram ouvidas. O inquérito policial entregue junto com a denúncia tinha aproximadamente duas mil páginas. O MP foi criticado por demorar a apresentar a denúncia, mas só formulou a acusação quando acreditou que teria chances reais de êxito da condenação dos acusados.

A conclusão das investigações foi que os cinco PMs e o segurança clandestino comandavam um esquema criminoso na região da Praça da Sé, utilizando moradores de rua para vender drogas. Alguns deles estavam em dívida, por isso, teriam sido assassinados. Algumas vítimas tinham antecedentes vinculados a questões de drogas e outras teriam sido escolhidas para despistar as investigações e encobrir atividades ilícitas de PMs no tráfico de drogas. Diversas pessoas ligaram esses policiais militares a achaques contra os moradores de rua e afirmaram que muitos deles foram coagidos a comercializar entorpecentes. Encontraram provas de que os mesmos veículos foram utilizados para a realização dos crimes e também, segundo o Instituto Médico Legal (IML), o mesmo instrumento. Gravaram um vídeo com uma das principais testemunhas, conhecida pelo codinome “Rodolfo”, que presenciou tanto parte do massacre quanto o assassinato de outra testemunha. Tudo isso foi reunido numa denúncia de 49 páginas.

Num despacho de oito parágrafos, o juiz afirmou que os dados acrescidos à investigação que havia sido apresentada anteriormente “não ultrapassaram a singela condição de suposição ou desconfiança, que são elementos do mesmo valor probante, quiçá inferior, daqueles já narrados", sem nenhuma referência ao inquérito, causando suspeitas de que a denúncia não havia sido lida com seriedade e dedicação. O padre Júlio Lancelotti denunciou na época que havia – e ainda há – uma forte pressão para que esse caso não seja esclarecido, por ser um crime emblemático da corrupção do centro de São Paulo, que envolve tráfico de drogas e de armas, prostituição, exploração de crianças e a escravidão a que está sendo submetido o povo da rua.

Fernanda Sucupira é membro da ONG Repórter Brasil.

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