O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou, nesta quarta-feira (9), 249 trabalhadores que estavam submetidos a condições análogas à escravidão na fazenda Agropecuária Pôr-do-Sol, no município de Campos de Júlio, no Oeste do Mato Grosso, próximo à fronteira com a Bolívia. A fazenda, que cultiva cana-de-açúcar, pertence à Lenny Olívia Artmann, gerente de uma agência do Banco do Brasil em Cuiabá, e é administrada por seu marido, Neri Guilherme Artmann. A produção era vendida à usina Usimat, perto da propriedade.
Para ressarcir as dívidas trabalhistas, eles deverão desembolsar cerca de R$ 530 mil. O Ministério Público do Trabalho (MPT), que enviou um procurador à fiscalização, acionará a Justiça com uma ação civil pública, pedindo indenizações por danos morais coletivos.
Apesar do nome de Lenny constar do contrato social da empresa, investigações iniciais do MTE indicam que podem haver outros proprietários.
Como um presídio
De acordo com o relato do coordenador da ação de fiscalização, o auditor do trabalho Humberto Célio Pereira, a jornada dos libertados começava às três da manhã, quando se dirigiam à roça para cuidar da cana. Sob o sol, sem lugar para se abrigar, recebiam refeições estragadas, bebiam água quente e não tinham local para fazer as necessidades. Como supostamente ganhavam por produção, se esforçavam para cortar o máximo de cana possível.
Quando chegava o momento de descansar, às cinco da tarde, voltavam para o alojamento, onde dividiam o quarto – de seis metros quadrados – com até 11 colegas, mais alguns instrumentos de trabalho, ratos e moscas. O telhado, de amianto, transformava o cômodo em uma estufa, em uma região que chegou a registrar 36ºC na última semana.
Nas instalações, os 249 trabalhadores dividiam um único banheiro. Quando se dava a descarga, o esgoto corria a céu aberto, em frente ao local em que dormiam. Também não era possível que todos tomassem banho, e eram obrigados a se lavar sob a torneira.
Por causa das péssimas condições, o grupo móvel encontrou trabalhadores doentes, com cortes e infecções intestinais. "O alojamento lembra um presídio. É uma verdadeira pocilga", relata Humberto.
Se houvesse a necessidade de comprar qualquer produto, a fazenda tinha uma cantina. Lá era possível adquirir facões, limas, botinas, pilhas, cigarro, remédios e até mesmo bebidas alcoólicas. Caso alguém tivesse algum problema grave e precisasse ir à cidade – de menos de cinco mil habitantes, que fica a 80 km da fazenda por uma estrada de terra – cobrava-se R$ 35,00 pelo transporte. As dívidas eram registradas em um caderno, que ficava com os "gatos" (contratadores de mão-de-obra a serviço dos fazendeiros).
No final do mês, quando deveriam receber o salário, a dívida era descontada. Uns recebiam pouco, outros nada, e alguns ficavam devendo. Segundo Humberto, havia dívidas que chegavam a R$ 3 mil. As contas do pagamento por produção eram fraudadas: quanto mais se cortasse cana, menos valia o metro cortado.
De volta para casa
Quando os trabalhadores foram contratados, em seus estados de origem (Alagoas, Maranhão, Piauí, Pernambuco e Paraíba) os "gatos" lhes prometeram que ganhariam cerca de R$ 1500,00 por mês. Depois de viajar cerca de três mil quilômetros, tiveram que trabalhar por oito meses em situações degradantes, sem poder sair da fazenda.
A libertação só aconteceu porque três trabalhadores conseguiram fugir. A pé, tiveram que percorrer mais de 100 km, quando conseguiram pegar carona com policiais federais até Cuiabá, onde fizeram uma denúncia.
Agora, além pagar as dívidas trabalhistas, os empregadores também terão que garantir a volta dos trabalhadores para casa. O pagamento começou a ser feito nesta quinta-feira (10) e o grupo móvel continuará presente na propriedade até que todos os trabalhadores recebam e voltem para casa. Eles também terão direito a três parcelas do seguro-desemprego.
Foto da capa: Agência Brasil