Cerca de 60% dos imóveis rurais onde é flagrado trabalho escravo não possuem registro no Incra A grilagem de terras na Amazônia Legal é o carro-chefe de muitos crimes e problemas sociais, entre eles o trabalho escravo e a invasão de terras indígenas. Tomadas inicialmente para o desmatamento, as terras griladas dão prosseguimento à expansão da agricultura, da pecuária, do extrativismo mineral e da biopirataria na floresta, muitas vezes com ações de extrema violência.
Em grande parte dos casos, o trabalho escravo na região é conseqüência direta da grilagem de terras, ou seja, da apropriação de terra pública mediante falsa escritura de propriedade.
Segundo Patrícia Audi, coordenadora do Projeto Nacional do Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, os imóveis não possuem registro no Incra em cerca de 60% das propriedades onde auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego encontram pessoas em condições análogas às de escravos.
Ela explica que os trabalhadores escravizados atuam especialmente na derrubada da floresta para o plantio ou para a formação de pasto, o que explica o fato de Mato Grosso e Pará registrarem maior número de vítimas dessa situação de falta de liberdade, aliada ao descumprimento dos direitos trabalhistas.
Uma das iniciativas que têm dado certo é a publicação semestral da Lista Suja do Trabalho Escravo, um cadastro com o nome dos empregadores que utilizam mão-de-obra escrava, atualizado a cada seis meses pelo ministério.
* Isso tem ajudado no combate ao problema, porque os grandes mercados estão deixando de comprar dessas empresas * aponta Patrícia Audi.
Segundo o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Marcos Kowarick, o instituto tem trabalhado com quatro linhas de ação para coibir a grilagem. Nos últimos dois anos foram ajuizadas 74 ações reivindicatórias de 400 mil hectares de terras públicas federais. Outras cem ações estão em fase de instrução.
Desde 2004, foram inibidos * impossibilitados de obter qualquer documentação * 46,7 mil cadastros de imóveis irregulares, grande parte fruto de grilagem. Desse total, em 1.613 imóveis foi realizada fiscalização cadastral no ano passado. Outros 1.500 serão vistoriados este ano, segundo Kowarick.
* Estamos ainda promovendo as ações de regularização fundiária e de ordenamento territorial em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, destinando as terras a quem de direito, e realizando ações integradas com vários órgãos. Com isso atacamos outros problemas, como o trabalho escravo, já que vários imóveis que mantêm pessoas nesse regime são na verdade terras griladas * informou o diretor do Incra.
Projetos buscam inibir trabalho escravo
Para o senador Sibá Machado (PT-AC), o problema do trabalho escravo * assim como a grilagem * na Amazônia Legal só será resolvido quando houver sanções mais severas.
* O trabalho escravo fere o princípio da função social e por isso quem o pratica deve responder por isso, muito além da multa. Além disso, as terras comprovadamente envolvidas com essa realidade devem ser passíveis de confisco * declarou.
Senadora pelo Pará, Ana Júlia Carepa (PT) apresentou projeto de lei (PLS 207/06) que proíbe a concessão de créditos e a contratação por licitação de pessoas físicas ou jurídicas que utilizem mão-de-obra escrava.
* Acreditamos no progresso do Pará e queremos o seu crescimento. O que não podemos admitir é que ele ocorra às custas dos direitos humanos e do meio ambiente. Temos convicção de que há limites morais para o crescimento que se baseiam no respeito à pessoa humana e à natureza * disse a senadora.
Nas duas Casas do Congresso Nacional tramitam diversos projetos para coibir essa prática ilegal de escravidão.
Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado espera votação o PLS 9/04, do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que propõe tipificar a submissão de trabalhador a condição análoga à de escravo como crime hediondo. * Os números impressionam tanto quanto a gravidade dessa aviltante prática criminosa * ressalta Crivella.
Há dois anos tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 438/01, já aprovada pelo Senado. De acordo com a proposta, que espera votação em segundo turno naquela Casa, as glebas onde for verificada exploração do trabalho escravo deverão ser imediatamente expropriadas e destinadas à reforma agrária.
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Encobertos por "laranjas", grileiros raramente são punidos
Isolamento e violência impedem fuga de trabalhadores
Pelo menos 70% dos casos de trabalho escravo detectados pelo Ministério do Trabalho e Emprego estão concentrados na região da Amazônia Legal. E a maior parte desses trabalhadores é aliciada no momento do desmatamento da floresta, ação concentrada na mão dos grileiros.
A constatação é do coordenador do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo do ministério, Marcelo Campos.
* Raramente conseguimos chegar no verdadeiro grileiro. Nas ações de fiscalização, geralmente encontramos o "laranja", que não tem documentos para comprovar o título da terra * explica Campos.
Ao detectarem a presença de trabalhadores em situação irregular, os auditores fiscais do trabalho determinam a imediata quitação dos débitos dos empregados e aplicam multas.
Todos os relatórios são enviados para outros órgãos, como Ministério Público Federal e do Trabalho e Polícia Federal, para que seja dado prosseguimento a indiciamentos e ações penais e civis. No ano passado, o grupo móvel libertou 4.310 trabalhadores em 84 ações.
A Amazônia recebe trabalhadores em busca de emprego de várias regiões. Lá, eles já chegam devendo transporte e alimentação. Acabam tendo suas dívidas compradas pelos "gatos" que os levam para as fazendas ou propriedades griladas, onde contraem novas dívidas que os tornam devedores dos empregadores.
* Além disso, o isolamento geográfico * muitas vezes trabalham em áreas localizadas a 80 quilômetros da cidade mais próxima * os impede de fugir. Muitos também são vigiados por guardas armados, que castigam ou matam os que não cumprem as ordens * explica Patrícia Audi, coordenadora do Projeto Nacional do Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.
Segundo Patrícia, a indecisão sobre a que Justiça cabe julgar os processos * se a Federal ou a estadual * acaba por prejudicar a punição aos que escravizam os trabalhadores.
* A Justiça Federal entende que essas questões são de sua alç
ada, mas, quando há recursos, os tribunais superiores entendem que a competência é da Justiça estadual * explica. Com isso, muitas denúncias acabam não sendo apuradas.
A Comissão Pastoral da Terra é responsável por grande parte das denúncias referentes à exploração de seres humanos na Amazônia Legal. Para José Batista Afonso, membro da Coordenação Nacional da CPT, a ação dos grileiros está diretamente relacionada a um processo violento de destruição da floresta e à utilização do trabalho escravo.