MPT vê trabalho semi-escravo na lavoura

 22/08/2006

Cortadores de cana em Pederneiras e Macatuba denunciam ao Ministério Público do Trabalho condições subumanas

Ricardo Santana
Pederneiras – Desrespeito às leis trabalhistas e ameaças contra cortadores de cana foram denunciadas ontem ao Ministério Público do Trabalho na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) em Pederneiras (26 quilômetros de Bauru). O procurador do Trabalho, Luiz Henrique Rafael, afirmou que os 31 trabalhadores rurais estavam vivendo em situação subumanas de semi-escravidão. "É uma situação que beira o trabalho semi-escravo, porque não têm condições de voltarem aos Estados de origem. Como reclamaram da situação, estão sendo ameaçados de ficar sem trabalho, de ficar sem ter onde morar e o que comer", relata.

Alguns trabalhavam quatro meses no corte da cana sem, no entanto, receberem pelo trabalho. Rafael explicou que o grupo residia em uma casa inadequada, com os homens vivendo em quartos com capacidade muito inferior ao recomendável e ainda pagando aluguel.

O procurador explicou que constatou irregularidades na jornada de trabalho, nos registros, pagamento das diárias, falta de fornecimento de equipamentos de segurança (EPI) e desconto do valor dos equipamentos e a cobrança pelas ferramentas. Eles não recebiam soro fisiológico, ideal para reidratação durante a jornada sob o sol, não tinham garrafão de água e nem marmita térmica para acondicionar as refeições.

Rafael explica que os 31 cortadores resolveram denunciar a situação pelo fato de terem sido enganados. Conforme o procurador, a promessa de quem contratou os homens era de pagar entre R$ 800,00 a R$ 900,00 por mês. Mas, ao chegarem para trabalhar o valor caiu praticamente pela metade – R$ 450,00 por mês. Conforme apurou Rafael, os cortadores ainda estão pagando para morar e comer. Eles foram contratados pela empresa terceirizadora Bruno Carlos da Rocha e, ontem, seu advogado e o contador aceitaram pagar a rescisão dos rurais e mais o transporte e um valor para alimentação durante a viagem de regresso.

O MPT investiga, agora, a cadeia de contratação da mão-de-obra. Segundo Rafael, o gato traz os trabalhores de fora, para uma uma firma terceirizadora, que presta serviço para cooperados que plantam para as usinas. No caso, seria para o Grupo Zillo.

Os migrantes vieram em sua maioria de municípios do interior da Bahia e de Minas Gerais. Hoje, no começo da tarde, retornariam a seus Estados de origem.

O procurador agendou uma reunião para hoje onde serão feitas as rescisões contratuais, com pagamento dos valores devidos a cada um dos trabalhadores rurais.

Os 31 trabalhadores viviam em uma casa de um homem conhecido como "Decão" (gato). O JC apurou junto aos cortadores que cada um pagava R$ 25,00 a cada quinze dias como aluguel – R$ 50,00 por mês. José Emiliano Alves dos Santos, 24 anos, Lourival Moreira de Almeida, 25 anos, e Francisco Moreira de Almeida, 28 anos, todos de Minas Novas (MG), contam que sofreram ameaças de "Decão" caso continuassem a reclamar das condições de vida e trabalho.

Há duas noites sem dormir, eles registraram um Boletim de Ocorrência na delegacia de Pederneiras. "Não chegaram a bater, mas falaram de tudo", relembra Almeida. Ele é o mais tímido do grupo de migrantes que trocou Minas Novas pelo sonho do corte da cana-de-açúcar nas lavouras de Pederneiras e Macatuba. Santos conta que "Decão" teria feito pressão psicológica dizendo que iria reajustar o aluguel para R$ 75,00 por mês de cada um, como forma de represália pela reivindicação de melhores condições. Ele comenta que está é a quinta safra que trabalha no corte da cana e nunca tinha tido problemas. "Se a gente precisasse de botina com proteção tinha que pagar R$ 42,00 e também pagava para outras coisas", comenta.

Edi Santana Correia, 34 anos, morador de Serra Preta, Bahia, disse que estava trabalhando sem receber nada há quatro meses. Ele comenta que tinha que pagar alimentação, gás, água, luz. Moravam seis em um quarto que mal dava para quatro homens. Os últimos que ficavam para tomar banho tinham que enfrentar a água fria. "Todos querem voltar", afirma.

O garçom Roberto Messias Silva, 19 anos, veio de Brumado, na Bahia. Ele conta que os homens que formam os grupos para vir a São Paulo (os gatos) chegam em sua cidade prometendo benefícios com anúncios nas rádios locais. De acordo com Silva, depois que se entra no ônibus as promessas ficam no caminho. Chegando ao destino, no caso Pederneiras, o trabalhador já está endividado com o custo da viagem. Segundo o garçom, quem não está acostumado com o trabalho de corte da cana leva pelo menos três meses para começar a produzir melhor. Entretanto, a dívida com o gato já está alta. "Tem gente que não colocou um real no bolso", explica.

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