Luta pela terra

Relator da ONU denuncia ameaça a acampamento em Pernambuco

Após o adiamento de despejo ordenado pela Justiça contra acampamento do MST, juiz tenta atropelar negociação entre Incra e Votorantim, empresa proprietária, e insta polícia a cumprir reintegração. Relatores da ONU solicitam intervenção do governo federal
Verena Glass
 11/08/2006

O adiamento de uma liminar de despejo contra cerca de 500 famílias do MST que ocupam o Engenho São João, de propriedade da empresa Votorantim, em São Lourenço da Mata, Pernambuco, acabou se transformando, no último dia 2, em uma nova abertura de negociações entre o Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária (Incra) e os proprietários da área, na tentativa de evitar um conflito entre polícia e sem-terras e acordar a desapropriação do engenho, abandonado, segundo o MST, há 17 anos.

Disposta a cumprir a liminar de reintegração de posse, a Polícia Militar chegou a cercar o acampamento no dia 2, mas a afirmação dos sem-terra de que resistiriam, e a intervenção de parlamentares e do Incra junto à Votorantim e ao governo estadual cancelaram a operação e marcaram para o próximo dia 15 uma reunião entre as partes.

No último dia 7, porém, o juiz da comarca de São Lourenço da Mata, José Gilmar da Silva, emitiu um despacho exigindo que a PM efetuasse a ação imediatamente – a despeito das negociações acordadas pelos órgãos competentes – e teria afirmado que solicitaria intervenção da Polícia Federal, o que estaria fora de sua competência legal.

Segundo lideranças do MST, o juiz ainda desmoralizou a PM por não ter cumprido a liminar e incitado os policiais à violência. José Gilmar também emitiu juízos de valor no despacho, ao cobrar do comando da polícia “total cumprimento do mandado de reintegração de posse, que ainda se encontra em poder do oficial de justiça, que com garra e determinação, anseia por ver cumprido integralmente o seu mister, sob pena de aplicação das medidas judiciais cabíveis no que tange à desobediência por parte do comandante do batalhão de choque”.

ONU
O conflito em torno do acampamento Chico Mendes, como é conhecido, levou os Relatores Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, Flavio Valente, e Especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, a enviar a diversos setores do governo federal um ofício solicitando “gestões urgentes junto ao Juiz José Gilmar da Silva, da comarca de São Lourenço da Mata (PE), que insiste em promover uma ação de reintegração de posse em área que se encontra em processo ativo de negociação visando a desapropriação, junto à direção do Grupo Votorantim”.

“Compreendemos que é fundamental que evitemos qualquer tipo de iniciativa que possa agravar o conflito e resultar em violência. Entendemos que a função pública do Judiciário é de promover a justiça e não meramente cumprir medidas legais que não se justificam frente à situação real dos fatos. (…) Ressaltamos, no entanto, que a responsabilidade por qualquer ato de violência que venha a ocorrer, bem como todas suas conseqüências, será não só do magistrado em questão, mas também das partes envolvidas e dos gestores públicos que têm condições de colaborar para o cumprimento do acordo e evitar a radicalização do conflito”, afirma o documento, enviado quarta-feira (9) ao governador do Estado de Pernambuco, Mendonça Filho, desembargador Fausto Freitas, presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Francisco Sales, procurador-geral de Justiça de Pernambuco, Rolf Hackbart, presidente do Incra, Gercino da Silva Filho, ouvidor agrário nacional, Maria de Oliveira, superintendente regional do Incra-PE, e Antonio Ermírio de Moraes, presidente do Grupo Votorantim.

Já nesta quinta (10), diversas entidades de defesa dos direitos humanos, como as ONGs Terra de Direitos, Abrandh e Justiça Global, além da Comissão Pastoral da Terra e da Via Campesina, denunciaram ao relator especial das Nações Unidas sobre Independência do Judiciário, Leandro Despouy, e à representante da ONU sobre Direitos Humanos, Hina Jilani, o que consideram violência e perseguição aos movimentos sociais por partes do juiz.

Segundo Maria Rita Reis, advogada da Terra de Direitos, a intenção foi levar à ONU a problemática para que, caso a denúncia seja aceita, o governo brasileiro seja obrigado a se posicionar sobre o assunto no próximo relatório bianual sobre os direitos humanos que será enviado às Nações Unidas.

Joba Alves, coordenador estadual do MST em Pernambuco, também explica que as pressões sofridas pelos sem-terra do acampamento Chico Mendes já são de conhecimento da relatora Hina Jilani, que esteve no local em visita ao Brasil no ano passado.

“O objetivo é denunciar que não há imparcialidade do juiz neste caso, ele já tomou posição e deixou clara a sua tendência. Também queremos denunciar a truculência do batalhão de choque da polícia, cujo comandante chegou a dizer que jogaria gás de pimenta nos olhos das crianças, durante o cerco do último dia 2”, explica o dirigente.

Na noite desta quinta, o Tribunal de Justiça do Estado suspendeu por 90 dias a ordem de despejo expedida pelo juiz José Gilmar da Silva. Segundo o MST, com essa suspensão o Incra terá tempo de encaminhar a desapropriação da área e assentar as famílias acampadas, mas muito depende das negociações com a Votorantim neste próximo dia 15.

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