Em 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia, mãe de três filhos, levou um tiro nas costas aos 38 anos e ficou paraplégica. O autor do disparo foi o seu marido, o professor universitário Marco Antonio Herredia, que depois disso ainda tentou matá-la outra vez. Ele só foi preso em 2002, após o caso chegar à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), e cumpriu dois anos de prisão. Por sua história de luta contra essa forma de violência e contra a impunidade que costuma acompanhá-la, nesta segunda-feira (7), o presidente Lula sancionou a lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, batizando-a com o nome de Maria da Penha.
A nova legislação, que desde novembro de 2004 vinha tramitando no Congresso Nacional, é bastante elogiada por entidades ligadas aos movimentos de mulheres, por ser considerada bem abrangente, com medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção à mulher e aos filhos. O maior desafio a partir de agora é a implementação efetiva dos avanços trazidos por ela.
Entre as medidas presentes estão a capacitação permanente do Ministério Público, das defensorias públicas e da polícia civil; a assistência social às mulheres agredidas; o encaminhamento dos envolvidos a uma equipe multidisciplinar de atendimento integral; e a ampliação do rol de medidas de proteção à vítima, e de medidas cautelares em relação ao acusado, como a suspensão do porte de armas. Além disso, por determinação do juiz, a mulher vítima de violência doméstica poderá contar com estabilidade de seis meses por motivo de afastamento do emprego e, se servidora pública, terá acesso prioritário à transferência do local de trabalho.
Um dos principais avanços esperados a partir da aprovação dessa legislação diz respeito ao combate à impunidade. Isso porque ela prevê a criação de varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher. Atualmente, a maior parte desses casos, principalmente as ameaças e as lesões leves, são julgados nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Criados em 1995 pela Lei 9.099 com o objetivo de tornar mais rápidos os processos das infrações penais de menor potencial ofensivo, os juizados especiais são considerados um grande avanço na Justiça brasileira. A pena máxima nesses casos é de dois anos, e eles têm como princípio a conciliação, ou seja, oferecem oportunidades às partes, para resolverem o conflito antes da sentença final, em geral através de concessões mútuas.
Por conta dessas características, esses juizados não são adequados para julgar o crime de violência contra a mulher. Em dez anos de existência da lei 9.099, 70% dos casos que passaram pelos juizados especiais estavam relacionados à violência doméstica contra a mulher e 90% deles foram arquivados ou resultaram somente no pagamento de cestas básicas ou multas. Com a nova lei, fica proibida a aplicação de penas de cesta básica, de prestação pecuniária, multa ou similar a esses casos. Com a lei recém aprovada, essa violência deixa de ser descaracterizada como crime de menor potencial ofensivo e a pena de lesão corporal praticada contra integrante da família ou companheiro, que hoje é detenção de seis meses a um ano, passe a ser de três meses a três anos. Além disso, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal pode ser decretada a prisão preventiva do acusado.
A nova lei foi elaborada por um grupo de trabalho interministerial, a partir de uma proposta de lei para prevenir, punir e erradicar essa forma de violência, entregue à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) por um consórcio de entidades ligadas ao movimento feminista. Além da violência física, engloba a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral, e apresenta diretrizes de políticas e ações integradas do poder público para diversas áreas.
* Com informações da Agência Brasil.
Fernanda Sucupira é membro da ONG Repórter Brasil.