Justiça tardia

Vítimas de massacre receberão indenização do Estado do Pará

No último dia 1o, o procurador geral do Estado do Pará e 20 sem-terra feridos no massacre de Eldorado dos Carajás em 1996, entraram em acordo sobre o pagamento da indenização ordenada pela Justiça em 1999. Valor é muito menor que o estipulado pela decisão judicial, e será pago em 2008
Verena Glass
 04/08/2006

Mais de dez anos depois do massacre de Eldorado dos Carajás no Pará, quando a Polícia Militar reprimiu violentamente uma manifestação de agricultores sem-terra ligados ao MST, matando 19 pessoas e deixando dezenas de feridos, o governo do Estado finalmente concordou em cumprir a decisão judicial que ordenou, em 1999, o pagamento de indenizações aos feridos.

Na última terça feira (1o), o Procurador Geral do estado, Dr. Aloysio Cavalcante Campos, acordou com 20 vítimas sobreviventes o pagamento de R$ 1,2 milhões, valor bem menor do que os R$ 2,9 milhões estipulados inicialmente pela Justiça. Cada um dos feridos deverá receber entre 30 e 90 mil reais individualmente.

Segundo o acordo, o Estado pagará a indenização “na forma do art. 100, § 1º da Constituição Federal, ou seja, por meio de precatório requisitório, que se realizará no decorrer do ano de 2008”, e garante que, até o pagamento, “o Estado continuará a pensionar os autores, bem como será prestado a assistência médica prevista na sentença, sendo esta também fornecida aos demais sobreviventes do massacre”.

“Depois de tanto tempo, com o Estado recorrendo reiteradamente das decisões judiciais sobre os valores, para as vítimas não vale mais a pena estender a briga. Valor nenhum vai desfazer o feito, mas o dinheiro vai ajudar”, explica o advogado dos sem-terra, Walmir Brelaz.

Atendimento médico
Apesar de passar de 70 o número de sem-terra feridos no massacre, apenas 20 acabaram reunindo os documentos necessários – RG, laudos periciais e médicos, etc – para processar judicialmente o Estado. Em 1988, este grupo, assessorado por Brelaz, ingressou na Justiça com uma ação ordinária de indenização por danos materiais e morais, com pedido de tutela antecipada.

A tutela antecipada foi deferida em agosto de 1999, estipulando que o Estado assumisse o atendimento médico das vítimas, arcasse com as despesas advindas dos tratamentos, como deslocamento, alimentação, medicamentos, etc, e pagasse a cada uma delas, durante o período de convalescença "e até ulterior deliberação, a pensão civil mensal correspondente a um salário mínimo". Mas só em maio de 2000 o Estado aceitou cumprir a ordem judicial.

Já o valor que atenderia o pedido de indenização por danos morais e materiais – R$ 2,9 milhões, independentemente do tratamento médico e das pensões -, foi estipulado em dezembro de 2003. Após recorrer quatro vezes, o Estado conseguiu baixar o valor para os 1,2 milhões acordados esta semana.

Durante todo os dez anos de negociação, no entanto, segundo os agricultores o maior problema foi o não cumprimento, por parte do governo, da ordem de fornecer atendimento médico adequado.

Rubenita Justiniano, atingida na boca durante o massacre, falou à Carta Maior nesta sexta (4) com alguma dificuldade, já que a bala que continua alojada em sua garganta desencadeou uma grave inflamação nestes últimos dias. Ela ainda não sabia que o Estado finalmente concordou em pagar a sua indenização – que deverá ser de 90 reais, e não de 300, como ordenado pela justiça inicialmente -, mas sua maior preocupação no momento é o tratamento urgente.

“Nesses dez anos, por não termos recebido tratamento adequado desenvolvemos mais doenças e seqüelas. Moramos no interior e temos que ir para Belém de 90 em 90 dias, mas eles só nos passam ampicilina. A bala que eu tenho na garganta virou uma úlcera, e os antibióticos que me deram estão causando uma série de outros problemas”, conta Rubenita.

De acordo com Josimar Freitas, membro da coordenação estadual do MST e um dos negociadores do grupo dos 20, o movimento avalia que a indenização financeira, apesar de menor do que o esperado, é o que foi possível conseguir. Já a grande expectativa em relação ao acordo com a procuradoria é a garantia de que o atendimento médico será sério.

“A questão do tratamento é a maior preocupação de todos. Não é só a Dona Rubenita que vem tendo problemas, tem o caso do José Carlos, com uma bala alojada na cabeça, Dona Maria Badia, diabética, que recebeu dois tiros na perna e desenvolveu complicações sérias… Se o acordo em relação ao atendimento for realmente cumprido, foi um bom negócio”, afirma Freitas.

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