Trabalho Escravo: “clima de terror” no sul do Pará

 11/09/2006

Eles são os senhores do medo. Mais de 118 anos após a abolição da escravatura, os grileiros e madeireiros que mantêm o regime de escravidão em vigor no sul do Pará impõem sua própria lei pela força das ameaças. Lavradores que tentam se livrar da exploração e falam em buscar a Justiça para garantir direitos trabalhistas são imediatamente amedrontados por gatos (aliciadores de mão-de-obra escrava) e pistoleiros, e têm de fugir para não serem mortos.

Muitas vezes as ameaças são cumpridas. Em fevereiro, o trabalhador rural Cláudio dos Santos Pontes, de 34 anos, entrou na Vara do Trabalho de Redenção (PA) com uma reclamação trabalhista contra o dono da Fazenda Cristalina, de São Félix do Xingu, onde trabalhara por 90 dias sem receber pagamento. Obrigado pelo juiz a fazer um acordo e pagar R$1.400 ao ex-empregado, o fazendeiro Francisco de Araújo, logo ao sair da sala de audiências, avisou: "Você vai pegar esse dinheiro, mas não vai desfrutar dele".

Dois meses depois, em 27 de abril, Cláudio levou três tiros, um deles no pescoço, e teve de fugir às pressas de São Félix com a família, para que o pistoleiro Cabeça, autor do crime, não voltasse para terminar o serviço. O fazendeiro, conhecido por ter ameaçado outros ex-empregados, jamais foi preso. É temido porque teria capangas em várias cidades da região.

– Aqui, os inquéritos policiais são mal elaborados, mal conduzidos e acabam não dando em nada. Se você tem dinheiro, você manda – diz a advogada Elda Machado, que tenta defender os lavradores no escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Tucumã, a cem quilômetros de São Félix do Xingu.- Os trabalhadores são aliciados pelos gatos e ameaçados de morte ainda durante o período de trabalho, para que não tenham coragem de brigar por seus direitos. Cuido do caso de um trabalhador, seu Domingos, que foi dispensado e, ao tentar acertar as contas, ouviu do patrão: "Quanto vale a sua vida e de sua família? É o que você tem a receber". Ele foi obrigado a fugir – conta Elda.

Obrigados a pagar preços exorbitantes pela comida e pelo material de trabalho, que deveriam ser fornecidos pelos empregadores, e a dormir em lugares sem as mínimas condições de higiene, os trabalhadores às vezes têm de deixar a região às pressas, sem receber qualquer pagamento, mesmo quando são ajudados por fiscais da delegacia do Ministério do Trabalho.

– O sul do Pará é uma região de terras griladas, sem dono. Muitas vezes, nas operações, só chegamos ao gato. Ninguém consegue saber quem é o empregador, quem tem o poder econômico. Orientamos os trabalhadores a sair o mais rápido possível da região. Os riscos de morte são muito grandes – diz o chefe da Seção de Inspeção no Trabalho da DRT, José Ribamar Miranda da Cruz. Em carta enviada em julho à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, do governo federal, o bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, denunciou o recrudescimento da violência contra trabalhadores no sul do Pará e reclamou da impunidade de "grileiros, invasores e pseudoproprietários, com seus jagunços que agem ao primeiro aceno dos comandantes".

– A omissão do Estado é responsável pelo clima de medo nesta região – diz dom Erwin. No documento, além do caso do lavrador Cláudio Pontes, o bispo relata o assassinato, em janeiro, do lavrador Antônio Bezerra da Silva, morto na praça central de São Félix do Xingu, na presença de testemunhas, dois meses depois de pedir ajuda à CPT para tentar receber verbas rescisórias por seu trabalho na Fazenda Tabapuã. Bezerra, que tinha chegado do sozinho do Tocantins para trabalhar como "peão do trecho" no sul do Pará, acabou enterrado como indigente. Não tinha família nem amigos para arcar com despesas do funeral.

Chefe de fiscalização da DRT reclama de falta de estrutura
Dos casos relatados por dom Erwin, o mais chocante é o assassinato de uma criança. Um dia antes de Henrique Aparecido Ribeiro, de 11 anos, aparecer afogado e com a jugular cortada, o pai dele, Sidney, pediu ao fazendeiro Ronan Garcia dos Reis, da Fazenda Estrela do Xingu, o pagamento pelo período em que trabalhou como vaqueiro. Ouviu do patrão a ameaça: "Se procurar o Ministério do Trabalho, toda a sua família vai morrer".

"Estamos diante de um caso típico de crime de encomenda", escreveu dom Erwin em sua carta ao secretário de Direitos Humanos. "É necessário tomar medidas urgentes para inviabilizar tais crimes e identificar os que, de forma contumaz, desrespeitam leis e normas, e ainda por cima ameaçam a quem procura seus direitos trabalhistas".

O chefe da fiscalização da DRT do Pará, José Raimundo da Cruz, que há dez dias libertou 118 escravos que trabalhavam em quatro fazendas de um único dono em Ulianópolis, no sudeste do estado, diz que recebe cada vez mais denúncias de escravidão, mas não tem infra-estrutura para as operações: – Não temos carros adequados para andar dias e dias por estradas precárias. Depois da morte da irmã Dorothy (Stang), fizemos operações com o Exército e chegamos de helicóptero a lugares onde o carro não ia. Se ainda tivéssemos essa facilidade, faríamos mais operações.

Segundo ele, a DRT tenta dar prioridade aos casos de lavradores sob ameaça de morte: – A cada operação, aparece mais gente denunciando novos casos. Até hoje, fico impressionado com o grau de submissão de trabalhadores sob ameaça.

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