A bancada ruralista, grupo de pressão formado por deputados federais e senadores que defendem o interesse de grandes proprietários de terra e do agronegócio no Congresso Nacional, passou de 111 para 95 deputados nesta eleição. Isso é o que aponta um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria parlamentar (Diap), órgão formado por entidades sindicais que fiscaliza a atuação do Congresso, que mapeou o comportamento dos eleitos. Apesar da queda, a bancada reelegeu seus líderes, transformou uma deputada em senadora – Kátia Abreu (PFL-TO) – e conseguiu levar para Brasília alguns expoentes do latifúndio.
Ou seja, ainda é cedo para falar se a bancada ganhou ou perdeu força. Vale lembrar que, historicamente, os ruralistas têm obtido mais votos para as suas demandas do que o número de deputados e senadores que se dizem defensores do agronegócio. A explicação está no fato de que mais parlamentares votam com eles, devido à sua reconhecida capacidade de pressão ou cooptação.
Dos 95 parlamentares ruralistas, 64 são deputados reeleitos e 16 deputados são novos. Entre os que continuarão na Câmara, destacam-se Ronaldo Caiado (PFL-GO), um dos principais líderes da bancada, Abelardo Lupion (PFL-PR), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, e Kátia Abreu (PFL-TO), vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).
Um dos novos nomes mais festejados pelos ruralistas é o de Homero Pereira (PPS-MT), presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), que articulou "tratoraços" em 2005 e 2006 exigindo (e obtendo) a negociação das dívidas dos produtores rurais. As ações organizadas dos ruralistas em todo o país – que foram do fechamento de estradas até a tomada do gramado do Congresso por tratores.
Outro dado interessante é que três dos cinco deputados acusados de participação na máfia dos sanguessugas que foram reeleitos também figuram entre os parlamentares da bancada ruralista para 2007. São eles João Magalhães (PMDB-MG), Marcondes Gadelha (PSB-PB) e Wellington Fagundes (PL-MT).
O Diap também aponta que algumas lideranças do grupo de deputados responsáveis pela defesa da agricultura familiar e dos assentados da reforma agrária não conseguiram se reeleger. Entre os deputados mais ativos, ficaram fora da nova Câmara João Grandão (PT-MS), Orlando Desconsi (PT-RS), Luci Choinacki (PT-SC), Josias Gomes (PT-BA), César Medeiros (PT-MG) e Vadinho Baião (PT-MG).
O forte e rico lobby da bancada ruralista, representante dos interesses do agronegócio, tem garantido que o grande produtor não perca privilégios e que a estrutura agrária permaneça como está. Suas campanhas dispendiosas, financiadas com o dinheiro da soja, algodão, carne, eucaliptos, carvão vegetal, contrastam com candidaturas mais humildes de quem defende a agricultura familiar e o campesinato.
Outras importantes bancadas do Congresso também diminuíram seus contingentes, mas proporcionalmente perderam mais quando comparadas com a ruralista, indica o Diap. De 61 representantes, a bancada evangélica passará a apenas 34, enquanto a bancada sindicalista tem 74 e passará a ter 60 parlamentares no Congresso.
O levantamento do Diap ainda é parcial, pois ainda não se sabe como alguns deputados eleitos pela primeira vez vão se comportar. Além disso, muitos que aparentemente não têm ligação com os ruralistas podem passar a votar com eles. No estudo realizado, é classificado como integrante da bancada ruralista "aquele parlamentar que, mesmo não sendo proprietário rural ou da área de agronegócios, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário".
Grupo de interesse
Apesar de ser suprapartidária e não ser constituída como entidade, a bancada ruralista tem grande poder de fogo para negociar com o governo federal. E, de acordo com outro estudo sobre o tema publicado, no final de 2001, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), eles atuam em causa própria, "utilizando o cargo político para representar não os interesses do povo, mas seus próprios interesses".
Edélcio Vigna, autor dessa pesquisa, alerta para o fato da bancada ter se transformado no mais poderoso grupo de interesse em ação no poder legislativo: "Não há grupo tão organizado quanto os ruralistas".
Em julho de 2005, quando os produtores rurais não gostaram do pacote de medidas contra a crise na agricultura anunciado pelo governo federal, os ruralistas travaram a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006. Isso, aliado às pressões de fazendeiros por todo o país, fez com que o governo federal cedesse e renegociasse as dívidas com o setor agropecuário.
O plano de Safra 2006/2007, lançado no primeiro semestre deste ano, destinou 50 bilhões de reais aos grandes proprietários, enquanto os pequenos ficaram com 10 bilhões. Cerca de quatro milhões de pequenas propriedades rurais empregam 80% da mão-de-obra do campo. O Brasil tem 388 milhões de hectares de terras agriculturáveis com pequenas, médias e grandes propriedades. A propriedade empresarial controla 70% dessa área e as pequenas 30%. Mas a propriedade familiar fica com 10% dos créditos dados pelo governo e produz 50% da safra anual. Enquanto a empresarial fica com 70% desses créditos e também produz 50%.
Também foi a pressão da bancada ruralista a responsável pelo atraso na votação da Proposta de Emenda Constitucional 438, apelidada de "PEC do Trabalho Escravo", que prevê o confisco de terras onde esse crime seja encontrado, destinando-as à reforma agrária. No Senado Federal, ela foi aprovada após dois anos de tramitação. Já na Câmara, apesar de ter sido apresentada pela primeira vez em 1995, empacou após sua aprovação em primeiro turno e espera até hoje para ser colocada novamente no Plenário. Lideranças dos ruralistas como Kátia Abreu e Ronaldo Caiado agiram fortemente contra o trâmite da PEC.
Caminho difícil
Segundo avaliação da integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marina dos Santos, apesar da reeleição dos líderes ruralistas, não houve mudanças significativas no cenário político para 2007. "As forças no Congresso se mantiveram muito parecidas com as que já estavam, e nossa intenção é manter o calendário de mobilização social", afirma. A continuidade dessas forças, porém, não indica um bom cenário para os movimentos sociais. "Os que lutam pela terra vão ter muito trabalho no próximo governo", calcula Marina.
Para o conselheiro e ex-presidente da Comiss&at
ilde;o Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduíno, as eleições de 2006 elegeram uma composição de parlamentares de qualidade inferior à atual. "Esperávamos que nessas eleições houvesse uma possibilidade de reflexão sobre o Congresso, e isso não aconteceu. Voltaram para lá pessoas que na própria opinião pública, na mídia, foram tidos como corruptos, criminosos."
De acordo com Dom Tomás, apenas uma reforma política poderia solucionar o problema. "Os movimentos populares têm insistido muito em mudanças que não sejam feitas pelo próprio Congresso. De outra forma, eles decidiriam em própria causa, como aconteceu na constituição de 1988", alerta.
Veja a lista dos deputados da bancada ruralista segundo estudo do Diap