Igualdade de direitos

Marcha das Margaridas discute violência contra mulheres no campo

Trabalhadoras rurais do Piauí reivindicam medidas de prevenção e segurança às mulheres vítimas da violência doméstica. Marcha das Margaridas levará pessoas de todo o país a Brasília em agosto de 2007
Por Beatriz Camargo
 21/10/2006

Em setembro, a agente de saúde Gildeni Pereira, de 22 anos, foi assassinada no povoado de Atalho, em São José do Piauí (PI), com dois tiros de espingarda disparados por seu marido, que está preso. Em agosto, a agricultora Maria das Dores foi degolada no município de Canavieira (PI). O principal suspeito do assassinato é o marido.

Para ajudar a combater essa realidade, as trabalhadoras rurais piauienses incluíram o tema da violência contra a mulher na 3ª edição nacional da Marcha das Margaridas, marcada para agosto de 2007. Principal evento de mobilização da categoria, a Marcha pretende levar 50 mil pessoas a Brasília e chamar a atenção do país para os problemas enfrentados pelas mulheres no campo.

Para Rosalina Rodrigues da Silva, diretora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí (Fetag-PI), a violência atinge igualmente mulheres no campo e na cidade, mas as moradoras da área rural enfrentam mais dificuldades para serem atendidas porque as delegacias são poucas e distantes. No Piauí, por exemplo, a Secretaria de Segurança Pública aponta que existem três Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher no estado.

 
 Para Carmen Foro, da Contag, falta levar a Lei Maria da Penha à realidade do campo (Foto: Contag-divulgação)

"Nas cidades e povoados pequenos, a mulher não tem lugar onde possa ser acolhida, tanto do ponto de vista da violência sofrida quanto do ponto de vista jurídico, para encaminhar a denúncia", reforça Carmen Helena Foro, coordenadora da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). "Em alguns lugares, nem o grito de socorro pode ser ouvido".

Outro desafio é dimensionar quantas mulheres sofrem ou já sofreram violência, uma vez que poucos casos chegam a ser registrados. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% e 50% das mulheres. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2002, quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex.

"Se na área urbana já é difícil quantificar a violência contra a mulher, na área rural esse dado ainda é quase inexistente", lamenta Carmen Foro, que também é vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Avanços
A lei Maria da Penha, sancionada em agosto deste ano, é considerada um avanço pelas trabalhadoras rurais e por diversos movimentos feministas. Entre outras medidas, a lei prevê penas mais duras para quem pratica violência contra a mulher. Contudo, Carmen ressalta que grande parte das trabalhadoras rurais não conhece o conteúdo das leis ou não sabe a que instituições pode recorrer em busca de defesa ou proteção. "É preciso criar instrumentos para levar a lei até elas". Uma alternativa, segundo Carmen, seria a criação de redes de mulheres, organizadas por elas mesmas, para dar apoio umas às outras e reivindicar os seus direitos frente ao poder público. "A gente sabe que só o governo federal não vai dar conta de resolver esse problema", diz.

Para Rosalina da Silva, as mulheres no campo têm ainda outros obstáculos a superar, como a desigualdade e a discriminação sexual. "A gente hoje tem que ter muita coragem para enfrentar o machismo. Queremos política agrícola e de meio ambiente específica para favorecer as mulheres, para que elas possam ser autônomas", reivindica.

Conquistar autonomia é o principal objetivo das mulheres quando o assunto são políticas públicas para a agricultura. A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais considera uma vitória importante a obtenção do crédito agrícola para mulheres, incluída no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – fruto das reivindicações da última edição da Marcha, em 2003. Com essa medida, as mulheres têm direito a receber recursos e financiar iniciativas paralelas à atividade agrícola – que muitas vezes já conta com o crédito familiar -, como a produção de doces, roupas ou artesanato. Carmen avalia a medida como "a construção de um processo de igualdade dentro do próprio lote onde as mulheres vivem".

O lema da 3ª Marcha das Mulheres – Combater a fome, a pobreza e a violência sexista – já está em discussão nos sindicatos e federações estaduais de trabalhadores na agricultura. A partir desses debates, serão definidas as reivindicações a serem apresentadas ao governo federal no ano que vem. Nas marchas anteriores, os principais temas foram segurança e soberania alimentar, terra, água e agroecologia.

Agenda
A Marcha das Margaridas acontece nos dias 21 e 22 de agosto de 2007. No primeiro dia do evento as mulheres poderão exibir sua produção agrícola e trocar sementes em uma grande feira. O segundo dia será reservado para manifestações e apresentação da pauta de reivindicação ao governo.

De 26 a 29 de novembro deste ano, as representantes estaduais das comissões de mulheres que estão organizando a Marcha se encontram na Contag em Brasília para fazer um balanço do avanço das políticas públicas para o setor, sobretudo aquelas que foram propostas em 2003 pelo movimento.

A primeira edição da Marcha das Margaridas, em 2000, levou 20 mil agricultoras, assentadas, acampadas e trabalhadoras rurais assalariadas à capital federal. A segunda edição dobrou o número de participantes e contou com a presença de 40 mil pessoas, contingente que a organização da Marcha quer ampliar em 2007, com a meta de envolver 50 mil mulheres de todo o país.

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