A reformulação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, lançado pelo governo federal em março de 2003, estará na pauta da II Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo e Superexploração em Fazendas e Carvoarias. O evento será realizado de 16 a 18 de novembro, em Açailândia, Sul do Maranhão, e reunirá cerca de 200 pessoas, entre integrantes de movimentos sociais, entidades da sociedade civil, órgãos governamentais e especialistas.
"O Plano foi cumprido em cerca de 60% de suas metas", explica Carmen Bascarán, presidente do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH), que organiza o evento junto com o Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão (Forem) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). "Queremos cumprir as 40% que faltam e também implementar outras propostas, ligadas a ações de repressão, prevenção e geração de alternativas de emprego e renda."
No último dia do evento será redigida a "Carta de Açailândia", um pacto entre os participantes para levar adiante as propostas discutidas. "Caberá à sociedade civil fazer pressão para que esses compromissos sejam cumpridos", define Bascarán. Após o evento, a intenção é expandir a assinatura do pacto a outros movimentos sociais e órgãos governamentais.
Entre as presenças confirmadas, estão o advogado Plínio de Arruda Sampaio, Patrícia Audi, da Organização Internacional do Trabalho, e os professores Marcelo Carneiro, da Universidade Federal do Maranhão, Aluízio Leal, da Universidade Federal do Pará e Ariovaldo Umbelino, da Universidade de São Paulo. Entre os representantes do Estado, estarão presentes Marcelo Campos, coordenador nacional dos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, e Luís Antônio Camargo, subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalhol e coordenador do núcleo de combate ao trabalho escravo da instituição.
Entidades da Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Tocantins apresentarão avaliações coletivas da aplicação do Plano Nacional nos estados, além de análises de entidades que combatem o trabalho escravo em âmbito municipal. A Conferência também reúne novas propostas, surgidas de experiências regionais bem sucedidas.
Análise estadual
A avaliação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo realizada nos estados tentou verificar a evolução do problema. "Com mais informação, percebemos que houve uma expansão da mancha do trabalho escravo", explica o frei Xavier Plassat, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra para o trabalho escravo. "Isso indica que há uma realidade velada, o que pode ser um fator que ainda mantém os números do trabalho escravo elevados."
"Nossa preocupação principal é com os fatores estruturais, que precisam ser reformulados para romper o ciclo da escravidão e tirar da situação de risco pessoas que são ‘clientes preferenciais' dos aliciadores", afirma Plassat. Para ele, o grande problema a ser enfrentado é o agronegócio, "que continua pregando a devastação e a superexploração de trabalhadores".
Os estados apuraram quais são as instituições que estão contribuindo para a erradicação da escravidão. Foi verificada uma expansão na atuação do poder público. De acordo com Plassat, a Polícia Federal Rodoviária e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por exemplo, são parceiros recentes que têm demonstrado interesse no tema.
Nos seminários estaduais foram elencados os fatores que bloqueiam o avanço no combate à escravidão. Xavier Plassat destaca a indefinição sobre quem deve julgar o crime de trabalho escravo – a Justiça Federal ou Estadual – como um importante fator para gerar impunidade. Atualmente, são poucos os casos em que o proprietário rural responde pelo crime de trabalho escravo – tipificado pelo artigo 149 do Código Penal. "Isso é parcialmente compensado pelo Ministério Público do Trabalho e pela Justiça do Trabalho, que têm sido firmes na defesa dos trabalhadores escravizados", completa.
Outro obstáculo apontado é a demora na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco das propriedades em que mão-de-obra escrava for encontrada – apresentada pela primeira vez no Congresso em 1995.
Primeira década
A Conferência também é uma comemoração aos dez anos de fundação do CDVDH, criado quando um grupo de pessoas ligadas a movimentos populares e à Igreja Católica se reuniu para lutar contra o sistemático desrespeito aos direitos humanos no Maranhão. Desde essa época, a entidade tem atuado no combate ao trabalho escravo, na conscientização dos direitos da mulher e no acesso do cidadão aos seus direitos básicos.
Entre as principais ações realizadas em seus dez anos estão campanhas para a obtenção do registro de nascimento gratuito, pela implementação da Defensoria Pública no Maranhão, contra a corrupção eleitoral no estado e contra a corrupção na prefeitura de Açailândia.
O Centro, uma das primeiras entidades a denunciar a situação degradante dos trabalhadores nas carvoarias que fornecem para as siderúrgicas do Maranhão, hoje coordena projetos pioneiros de prevenção ao trabalho escravo por meio da economia solidária. Um deles, o Reciclar a Cidadania, foi um dos ganhadores do concurso Petrobrás Fome Zero, voltado para a geração de renda entre famílias que estão sob risco de aliciamento. O projeto está capacitando trabalhadores para formar cooperativas de reciclagem de papel e de fabricação de produtos de limpeza.
Outros projetos da CDVDH na mesma linha são o que produz o "carvão ecológico", feito a partir do pó de carvão descartado pelas siderúrgicas e vendido na região, e que fabrica brinquedos utilizando sobras de madeira. Juntos, esses dois projetos e o Reciclar a Cidadania atingem cerca de 80 famílias.