“Escravos” norte-coreanos na Europa?

 10/11/2006

Autoridades tchecas monitoram liberdade de quase 400 trabalhadores

Mindy Kay Bricker, do International Herald Tribune
em Nachod, República Tcheca

Em um momento em que a Coréia do Norte está sob ataque devido ao seu programa de armas nucleares, quase 400 mulheres norte-coreanas estão ajudando discretamente a pátria-mãe trabalhando em empregos humildes na República Tcheca e enviando seus salários para casa.

As mulheres, principalmente costureiras, estão no momento no centro de um debate, com alguns críticos argumentando que seu trabalho representa trabalho forçado imposto pelo Estado. Vaclav Havel, o ex-presidente, está entre aqueles que disseram que a República Tcheca não deve ser usada como base para encher os cofres da Coréia do Norte.

Apesar do governo tcheco ter deixado de emitir vistos de trabalho para norte-coreanos em junho, aqueles que entraram previamente ainda estão empregados em vários lugares, incluindo na fábrica têxtil Snezka aqui em Nachod, onde costuram apoios de cabeça e braço para BMWs, Mercedes, Renaults e outros carros vendidos na Europa Ocidental.

Miloslav Cermak, gerente geral da Snezka, disse que 82 de seus 750 funcionárias são norte-coreanas. Com idades entre 20 e 28 anos, elas vieram a esta cidade perto da fronteira polonesa com contratos de três a quatro anos.

As mulheres são pagas por peça, com as mais capacitadas costurando até 350 apoios de cabeça por dia, disse Cermak, ganhando salários mensais de até 25.556 coroas, ou R$ 1.165, bem acima do salário mínimo do país de 7.955 coroas. A trabalhadora norte-coreana que recebe menos ganha 8.200 coroas, um salário comum para novos funcionários, ele disse. "Se alguém chama isto de escravidão", disse, "eu não sou a pessoa responsável por isto".

Mas alguém é. A situação de tais mulheres, disse Petra Burcikova, diretora da La Strada, uma importante organização antitráfico tcheca, "faz lembrar do trabalho forçado imposto pelo Estado".

Desde 2004, o ano em que este ex-país comunista ingressou na União Européia, as autoridades tchecas têm monitorado as condições de trabalho dos norte-coreanos empregados aqui.

Atualmente, 408 trabalhadores, dos quais 392 são mulheres, estão empregados no país. Inspetores de trabalho não encontraram violações da lei trabalhistas, disse o vice-ministro do Trabalho, Petr Simerka, por telefone.

Mas informação não oficial reunida pela polícia tcheca indica que os norte-coreanos depositam quase 80% de seus salários em uma conta bancária coletiva, segundo Lenka Simackova, da unidade de análise e estratégia do Ministério do Interior.

As autoridades suspeitam que estes salários são entregues ao governo norte-coreano ou à sua embaixada em Praga, e não para as famílias dos trabalhadores na Coréia do Norte, como estas mulheres alegam aos investigadores.

"Para provar o tráfico de seres humanos ou trabalho forçado, nós precisaríamos de testemunho das vítimas potenciais, o que não obtivemos", disse Jakub Svec, vice-chefe da unidade de análise e estratégia do Ministério do Interior. "Elas todas disseram estar satisfeitas e que estão muito melhor do que estavam na Coréia do Norte", ele disse. "Nós não sabemos como motivar estas mulheres a testemunhar contra sua embaixada, ou seu país."

Sem o testemunho, disse Svec, as autoridades não podem iniciar uma investigação para obter informação bancária. Ele disse que Praga deixou temporariamente de emitir vistos aos trabalhadores norte-coreanos, pelo menos até o final deste ano. "Não é para sempre", ele disse. "Mas é nossa reação para o problema."

Praga impôs sua proibição de visto após o Parlamento Europeu ter ouvido em março o testemunho de Kim Tae San, um ex-diplomata norte-coreano lotado em Praga antes de desertar para a Coréia do Sul, em 2002. Enquanto estava na embaixada, Kim trouxe mulheres norte-coreanas para trabalhar aqui, ele disse. "Quase todo o salário mensal delas", testemunhou Kim, "é depositado diretamente em uma conta controlada pelo governo norte-coreano".

Ele disse que 55% do salários das mulheres são deduzidos como uma contribuição "voluntária" para a Coréia do Norte. Após deduções adicionais -para acomodação e itens como presentes de aniversário para o líder norte-coreano, Kim Jong Il – restam às mulheres cerca de US$ 20 ou US$ 30 por mês, ele disse.

Todavia, dizem ativistas de direitos humanos, a oportunidade de trabalhar no exterior é atraente para os norte-coreanos. "Elas provavelmente não foram trazidas contra sua vontade", disse Kay Seok, supervisora do Human Rights Watch para Coréia do Norte, por telefone de Seul. "Elas provavelmente optaram por ir e optariam por permanecer." "O que nós queremos", ela acrescentou, é assegurar "que possam ser pagas apropriadamente e que possam fazer o que quiserem fora das horas de trabalho".

Os investigadores não foram capazes de determinar o grau de liberdade pessoal das norte-coreanas, como liberdade de expressão e movimento, disse Svec.

Em Nachod, trabalhadoras norte-coreanas socializam como suas colegas estrangeiras na fábrica de Snezka. Elas falam tcheco e conversam sobre trabalho, mas nunca socializam após o expediente, disseram colegas, e são monitoradas por um tradutor que freqüentemente responde por elas.

Sem liberdade para falar, "isto significa que elas não têm qualquer liberdade no território de um país democrático", disse Willy Fautre, diretor da Human Rights Without Frontiers. "Esta é mais uma evidência de que as mulheres são reféns das autoridades norte-coreanas."

Algumas autoridades tchecas defenderam a prática de contratação de norte-coreanas. Ao ser perguntado se o programa seria suspenso definitivamente, Simerka respondeu: "Nós não pensamos nisto". O fato dos norte-coreanos "trabalharem em um país democrático e verem condições diferentes de trabalho" e um forma diferente de pensar, ele acrescentou, pode ser benéfico quando voltarem para casa e "conversarem sobre quão diferente é".

Pyongyang enviou trabalhadores para vários países segundo ativistas de direitos humanos, incluindo Bulgária, China, Kuwait, Mongólia, Polônia, Romênia, Rússia e Iêmen.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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