No dia em que o país celebrou a memória da morte de Zumbi dos Palmares, 142 trabalhadores, dos quais três adolescentes e seis crianças (a mais nova com cinco anos) ganharam a liberdade. Na segunda-feira (20), a equipe de fiscalização da Subdelegacia Regional do Trabalho de Montes Claros (MG) os encontrou na fazenda Beirada Agropecuária, município de Manga, extremo norte do estado, passando fome, comendo apenas feijão de corda e, ironicamente, manga, que colhiam da propriedade. Trabalhavam sem receber salário há cinco meses – quase o intervalo entre a última fiscalização à Beirada Agropecuária, que aconteceu em maio deste ano. A maioria delas veio de Carinhanha (BA).
Seis meses atrás, os auditores da Subdelegacia de Montes Claros haviam encontrado quase o mesmo número de pessoas reduzidas à escravidão. O proprietário, Rogério Cabral Henrique, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometendo a fornecer melhores condições de trabalho a seus contratados. "Quando voltamos agora, não apenas o acordo não está cumprido como a situação está pior. Nunca vi o ser humano em situação tão degradante", avalia o subdelegado Ernesto Veloso Costa, coordenador da ação. Em maio, a equipe testemunhou que peões dormiam em barracões de lona e madeira. Desta vez, foi preciso trilhar um caminho no mato para encontrar os mesmos alojamentos, agora escondidos.
Costa relata que, mesmo insatisfeitos, os trabalhadores não podiam ir embora, pois eram ameaçados por funcionários do fazendeiro e tinham dívidas com o armazém pela compra de mantimentos, o que é considerado ilegal. Além disso, a propriedade, de cerca de 2 mil hectares, está separada do centro de Manga por 22 quilômetros de estrada de terra no meio da mata. "Se não tivesse chegado a fiscalização, eles iam ficar naquela situação até o fazendeiro dizer que não queria mais o serviço deles", estima o subdelegado.
A equipe já planejava fiscalizar a Beirada Agropecuária para verificar o cumprimento do TAC, o que foi antecipado por denúncias de um trabalhador que havia conseguido escapar. A ação contou com o apoio da Polícia Federal. De acordo com o subdelegado, a Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região, em Belo Horizonte, estima o pagamento de R$ 3 milhões em indenização.
Calote
A fazenda trabalha com milho, sorgo, mamona e feijão. De acordo com a equipe, os equipamentos eram modernos, as plantações eram irrigadas e havia, inclusive, uma máquina para processar a mamona. Entretanto, os empregados viviam em condições precárias e não possuíam carteira assinada nem equipamentos de proteção individual (EPIs). "Não tinha nenhum mineiro trabalhando, todos eram baianos. Ninguém de Minas quer mais trabalhar para ele [Cabral Henrique] porque já sabem que ele não paga", afirma Costa.