Das 424 áreas de floresta protegidas que compõem a Amazônia Legal, 62,3% têm desmatamento menor do que o ocorrido no entorno. É o que aponta mapeamento realizado pelo biólogo Leandro Ferreira, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi. Para Ferreira, no entanto, a maioria dessas áreas de proteção só existe no mapa. “Falta implementá-las de fato, fazer um plano de manejo", explica. "Caso contrário, elas não irão segurar o desflorestamento por muito tempo." O estudo foi realizado em conjunto com o ecólogo Eduardo Venticinque, da Wildlife Conservation Society – organização americana que tem ações em 53 países protegendo ambientes e espécies selvagens. Realizar um plano de manejo significa estudar a região e instituir normas para a utilização da terra e de seus recursos.
A Amazônia Legal já perdeu aproximadamente 700 mil quilômetros quadrados (km²), o que corresponde a 20% de sua área, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Todavia, o mesmo Instituto registra que, entre 2005 e 2006, houve uma queda de 30% no ritmo do desmatamento. No período, cerca de 13 mil km² de floresta foram derrubados, o que representa a segunda menor taxa de desmatamento na Amazônia desde 1998, quando este tipo de levantamento começou.
Segundo Ferreira, a criação de Unidades de Conservação (UCs), a partir de 2000, foi importante para inibir o avanço do desflorestamento em muitas regiões. O estudo encontrou baixos índices de desmate inclusive em áreas próximas a rodovias, consideradas eixos de devastação. Para o pesquisador, mesmo áreas de conservação criadas apenas no papel estão agüentando a pressão dos interesses externos. "Imagina se o governo começa a colocar dinheiro para as unidades serem implementadas de fato?"
Ferreira ressalta que o quadro encontrado é muito heterogêneo e alguns estados vivem situações críticas, como o Maranhão: com 20 áreas protegidas, 17 não estão segurando o processo de desflorestamento, o que também acontece, de forma não tão grave, no Mato Grosso, Pará, Amapá e Rondônia. Por outro lado, no Estado de Rondônia há áreas que conseguem evitar em 40 vezes o desmatamento se comparado à floresta destruída em torno delas.
A pesquisa foi apresentada nos dias 17 e 18 de outubro em Brasília, durante o Seminário Técnico sobre Dados de Desmatamento da Amazônia Legal, que contou com a presença dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, além de entidades representantes da sociedade civil. "O nosso estudo é só o começo, falta ir a campo e conhecer essas áreas. O banco de dados que criamos é muito útil para um planejamento dos governos federais e estaduais, porque mostra quais Unidades de Conservação e Terras Indígenas não estão mais suportando a pressão do desflorestamento", expõe o pesquisador.
Anael Aymoré Jacob, coordenador do Bioma Amazônia no Ibama, considera importante a contribuição do mapeamento das UCs, pois aponta os sucessos e as fragilidades no sistema de contenção do desmatamento. "No entanto, a implementação efetiva das UCs é um macro-processo muito mais complexo, composto por diversos processos interdependentes que muitas vezes fogem da governabilidade dos órgãos responsáveis pela sua execução. Assim, estudos como este têm uma relevância muito maior no planejamento global do que na implementação direta de determinada UC", ressalta.
Jacob afirma que "apesar de poucas das UCs sob nossa responsabilidade estarem completamente implementadas, muitas têm etapas importantes concluídas". Ao todo, 36 UCs de Proteção Integral, 2 Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e 3 Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIEs) estão sob gestão da Diretoria de Ecossistemas no bioma Amazônia, do Ibama. O coordenador cita como exemplo planos de manejo, já elaborados em aproximadamente 35% das UCs e em fase de elaboração em outros 30% do total. De acordo com ele, conselhos consultivos estão implantados em aproximadamente 30% das UCs, e 20% delas estão em fase de mobilização social. Com relação à infra-estrutura para apoio a fiscalização e realização de pesquisas, está construída em mais de 60% das 41 UCs.
Mapeamento
A maior parte do desflorestamento na Amazônia está concentrada ao longo de uma espécie de fronteira, que passa pelo Sudeste do Maranhão, Norte do Tocantins, Sul do Pará, Norte de Mato Grosso, Rondônia, Sul do Amazonas e Sudeste do Acre. As áreas protegidas estudadas abarcam UCs e Terras Indígenas, estas regidas não apenas pelo Ibama, mas em conjunto com a Fundação Nacional do Índio (Funai).
As UCs se dividem em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, cada uma delas com cinco subdivisões que possuem legislações diferentes. As Reservas Extrativistas (Resex) – do grupo das Unidades de Uso Sustentável -, por exemplo, foram criadas onde já existia população, como na foz do rio Xingu. "O governo criou duas reservas extrativistas na região respondendo a uma demanda da população local, que recebia pressões de todos os lados", lembra.
Entre as Unidades de Uso Sustentável, a Área de Proteção Ambiental é a mais frágil ao avanço do desmatamento: o estudo realizado por Ferreira e Venticinque verificou que o desflorestamento das APAs foi de 20% em média. As Resex, no entanto, tiveram 3,8% de desmatamento no mesmo período, e as Terras Indígenas atingiram 1,2%.
Segundo Ferreira, as APAs estão mais devastadas porque são aplicadas em situações mais críticas, como regiões de fronteira da floresta, já ocupadas por particulares e historicamente desmatadas. "É um último instrumento para tentar organizar territórios complexos, com muita grilagem e disputa pela terra" explica o pesquisador. Um exemplo é a APA Tapajós, região de garimpo. "O objetivo não é impedir que a atividade continue a ser praticada, mas organizar o garimpo, disciplinar o uso de mercúrio e as escavações", conta. "Mas se o governo cria essas áreas e não volta nunca mais lá, o processo continua como está."
Para fazer o estudo, Ferreira e Venticinque utilizaram dados cartográficos digitais de 2006 sobre os limites das UCs, do Ibama, os limites das terras indígenas da Funai, e o mapa de desflorestamento, do Inpe.
Plano de Manejo
A lei diz que, depois de criada uma UC, o governo têm até cinco anos para fazer um plano de manejo. "Já que o governo federal não tem dinheiro para implementar to
das as áreas protegidas, o nosso estudo, a partir do mapeamento, propõe o investimento nas mais críticas. E, a cada ano, o governo poderia ir implementando em outras áreas", estima o biólogo.
Ferreira avalia que o governo tem feito bastante para conter o desflorestamento e está disposto a enfrentar o problema. Sua preocupação é com a divisão dos recursos para a recuperação das áreas, inclusive as que ainda não estão ameaçadas. "É um critério técnico, que tem que ser discutido." Como exemplo, ele cita o asfaltamento da rodovia Manaus-Porto Velho. A via passa por uma região de floresta amazônica ainda bem conservada, se comparada ao restante da Amazônia Legal. "Se não for feito o disciplinamento do território antes, com mosaicos de unidades de conservação, com regras de ocupação e de uso sustentável, as madeireiras vão entrar ‘rasgando tudo'", prevê.