Progresso (sic)

Para MAB, barragens atingirão 100 mil nos próximos quatro anos

Governo Lula pretende priorizar novas hidrelétricas no segundo mandato. Para Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a consequência será um número significativo de pessoas obrigadas a abandonar suas terras
Por André Campos
 23/11/2006

Cerca de 100 mil atingidos por novas hidrelétricas nos próximos quatro anos. Essa é a previsão de Ricardo Montagner, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), caso os projetos planejados pelo governo federal para esse período realmente saiam do papel. “Esperamos mais quatro anos de grandes conflitos e lutas pelo direito dos atingidos”, afirma.

O Plano Decenal de Energia Elétrica 2006-2015, do Ministério de Minas e Energia (MME), prevê a entrada em operação de 83 novos empreen­dimentos hidrelétricos, sendo 31 até o fim de 2010. Segundo dados do MAB, seriam 494 novas barragens construídas até 2015. Atualmente, o Brasil possui 625 barragens e 116 usinas hidrelétricas (UHE) em operação.

A expansão do sistema hidrelétrico também é abordada no Programa Setorial de Política Energética e Mineral, que integra o Plano de Governo 2007 a 2010 do presidente Lula. O documento coloca como prioridade o “aproveitamento do potencial hidráulico da Amazônia, sobretudo das hidrelétricas do Madeira e de Belo Monte, com respeito às normas ambientais”. Somente em decorrência da hidrelétrica de Belo Monte, segundo dados preliminares apresentados pela Eletronorte – a empresa responsável pela proposição do projeto – serão 2.034 as famílias deslocadas.

No rio Madeira está prevista a construção de duas UHEs – Santo Antônio e Girau –, ambas localizadas no município de Porto Velho (RO). Os dados do Estudo de Impacto Ambiental da obra indicam que 719 famílias serão atingidas devido à construção das barragens, sendo que 564 delas serão efetivamente deslocadas para o enchimento do reservatório. Essa estimativa é questionada por Wesley Ferreira, coordenador regional do MAB em Rondônia. “Nossos levantamentos indicam um número de atingidos bem maior, de cinco mil pessoas. Há três comunidades indígenas isoladas que não foram incluídas nos estudos de impacto.”

De acordo com Ferreira, esta é uma situação semelhante à que ocorreu com a construção da hidrelétrica de Samuel, na década de 1980, localizada no município vizinho de Candeias do Jamari. “Os números oficiais afirmam que 600 famílias foram atingidas, mas, na nossa contabilização, esse número sobe para mil famílias.”Segundo Montagner, um dos principais problemas enfrentados hoje pelas populações afetadas é a falta de um marco regulador que defina o conceito de atingido. “Os estudos de impacto ambiental apresentados pelas empresas sempre trazem números inferiores aos da realidade.”

Diretrizes sócio-ambientais
“Não acredito que chegue a esse número de 100 mil atingidos, mesmo se todas as hidrelétricas previstas fossem realmente construídas”, afirma Mônica Arruda, assessora do Núcleo Estratégico de Gestão Ambiental do ministério. Ela explica que não há, neste momento, como saber quantas pessoas seriam atingidas, visto que essa contabilização só é feita a partir do licenciamento ambiental das obras. Segundo Mônica, “quando o número de pessoas afetadas é muito grande, esse fato por si só já inviabiliza a construção de uma hidrelétrica. Os projetos aprovados precisam estar num contexto viável, e isso inclui o impacto causado às populações locais.”

Mônica afirma ainda que o MME está aprimorando cada vez mais as diretrizes sócio-ambientais para identificar e atender adequadamente os atingidos por barragens. “Cada caso de pessoa afetada é hoje analisado individualmente, leva-se em conta os que moram nas terras atingidas, os que moram em outros locais e trabalham nas terras alagadas, enfim, toda a variedade de situações.”

Mudanças no modelo energético brasileiro, através de investimentos em fontes de energia alternativa, na repotenciação de usinas com mais de 20 anos e na redução de perdas do sistema elétrico são algumas das principais bandeiras defendidas pelo MAB. São demandas que se aproximam dos princípios da Agenda Elétrica Sustentável 2020, um estudo encomendado pela ONG WWF-Brasil – sigla em inglês que significa Fundo Mundial para a Natureza – à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e lançado em setembro deste ano.

Segundo o estudo, caso fossem adotadas medidas de eficiência energética, em 2020 haveria uma redução de até 38% na demanda esperada de energia elétrica – algo que levaria a uma diminuição em sete vezes da área inundada para a construção de reservatórios. Visando alcançar esse objetivo, as prioridades seriam a redução do desperdício – de acordo com o estudo, por exemplo, cerca de 17% da energia se perde na transmissão e na distribuição – e o aumento da participação de novas fontes renováveis.

“A eficiência energética é importante e deve ser buscada, mas acreditar que é possível crescer sem construir novas usinas é uma utopia que levará o país ao não-desenvolvimento”, afirmou Maurício Tomalsquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética do MME durante o lançamento da Agenda. “Estudos como esse são perigosos para o país. Nós não podemos iludir a população brasileira.”

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