Direitos Humanos

Artigo – A exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias

A não permanência do homem no campo tem se constituído em elemento de vulnerabilidade para as famílias camponesas, favorecendo a prática da exploração sexual de crianças e adolescentes
Por Juracy de Jesus Araújo Sodré *
 20/12/2006

A partir do ano de 1990, a violência contra crianças e adolescentes no país passou a ter uma tutela diferenciada com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece a criança e o adolescente como sujeitos de direito. Segundo a Constituição Federal, "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a garantia e o exercício desses direitos".

Mas, apesar de contarmos com um instrumento legislativo considerado internacionalmente de vanguarda no que tange à proteção da infância e juventude, estes ainda são vítimas de vários tipos de violências, quer pela ausência do Estado, gerando uma situação de risco, ou aquelas cometidas por agente agressor em estágio de desenvolvimento psíquico-social mais elevado, como é o caso da exploração sexual, sendo esta uma das práticas criminosas mais degradantes contra a infância e juventudes brasileiras, caracterizada pela relação sexual de criança ou adolescente com adultos, mediada por dinheiro ou "troca de favores''.

Nesse contexto, a exploração sexual infanto-juvenil nas rodovias federais do norte e nordeste do país revela uma triste página na vida dessas pessoas, além de grave violação dos direitos humanos.

Meninos e meninas que ao longo das rodovias vivem uma realidade brutal… A exploração sexual, às vezes associada também ao trabalho infantil, pessoas absolutamente desprovidas de quaisquer meios – quer sejam materiais ou morais – que possam sequer minimizar-lhes as seqüelas de uma atividade profundamente asquerosa, mas que já se confunde com a própria vida.

Viver, na acepção etimológica da palavra, tornou-se mergulhar de cabeça no inferno da exploração sexual que arregimenta e mantém crianças, adolescentes, geralmente filhos e filhas de lavradores que migram da zona rural para serem exploradas em pequenos comércios (bares, restaurantes, hotéis, motéis, postos de combustíveis), localizados às margens das rodovias, que principalmente à noite se transformam em grandes centros de prostituição.

Crianças e adolescentes que pouco ou quase nada podem fazer para se libertarem das garras dessa prática hedionda, a não ser contarem com suas próprias sortes.

A estrutura familiar dizimada, a pobreza, a miséria no campo… Vulnerabilidades que propiciam aos agenciadores e aliciadores agirem com muita facilidade tornando essas pessoas pressas fáceis à pratica da exploração sexual.

Meninas que mal largaram as bonecas já se tornaram mães. Ressalte-se, ainda, que em muitas ocasiões as próprias mães (ignorantes ou desesperadas) incentivam as filhas menores a "se prostituírem" como única forma de sustento da família, consubstanciando uma realidade trágica para o futuro desse país.

Em geral, a violência contra crianças e adolescentes trata-se de uma questão multifacetada, com profundas raízes na desigualdade social, onde se constata a violação de uma série de direitos fundamentais, devendo ser compreendida inclusive, numa dimensão sócio-cultural.

Entretanto, em que pesem algumas ações do governo federal no sentido do enfrentamento do fenômeno da exploração sexual, podemos afirmar que a não permanência do homem no campo através da geração de emprego e renda, dentre outros fatores, tem se constituído também em elemento de vulnerabilidade para as famílias camponesas, favorecendo a prática dessa modalidade criminosa, na medida em que crianças, adolescentes e jovens moradores da zona rural se submetem a uma rede de exploração ao longo da malha rodoviária, em razão de necessidades de subsistências básicas, como moradia, convivência familiar, alimentação, saúde, esporte, lazer, cultura, acesso à educação de qualidade e ao mercado de trabalho.

* Juracy de Jesus Araújo Sodré é policial rodoviário federal, bacharel em Direito e instrutor de direitos humanos na DPRF-MJ com formação em combate ao tráfico internacional de seres humanos.

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