Conflito agrário

Para CPT, emboscada no Pará era tragédia anunciada

Há meses, a entidade alertava para os riscos de um conflito iminente, que veio a acontecer com o assassinato de uma pessoa na última segunda(4). Acampamento dos sem-terra atingidos está nos limites de fazenda onde houve libertação de escravos
Por Iberê Thenório
 08/12/2006

Na última segunda-feira (4), uma pessoa foi morta e três ficaram feridas em uma emboscada a um caminhão no município de Cumaru do Norte, no Sul do Pará. No veículo, estavam pessoas que pertenciam a um acampamento de trabalhadores rurais sem-terra nos limites da fazenda Estrela de Maceió, de propriedade do grupo alagoano Lima Araújo, que tem um histórico de utilização de mão-de-obra análoga à escravidão. Reis Freitas Dias, morto no ataque, não pertencia ao grupo de sem-terras.

De acordo com o advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA), o frei Henri des Roziers, a emboscada foi uma tragédia anunciada: "Fizemos vários ofícios e declarações públicas alertando sobre a tensão nesta área e avisando que, a qualquer hora, poderia haver tragédias". Em abril, Henri enviou uma carta ao ouvidor agrário nacional e presidente da Comissão de Combate à Violência no Campo, desembargador Gercino José da Silva Filho, denunciando a presença de milícias armadas na Estrela de Maceió.

Três dias depois, em carta enviada à CPT, o ouvidor respondeu que a segurança dos trabalhadores na região seria reforçada: "As Polícias Federal, Civil e Militar (…) farão diligências no local para garantir a segurança pública na fazenda Estrela de Maceió". Porém, segundo Henri, nada foi feito, e um segundo aviso foi dado verbalmente seis meses depois, em uma outra audiência com o ouvidor. Procurado pela reportagem, Gercino não retornou até o fechamento desta matéria.

Para o delegado regional Luiz Antônio Ferreira, responsável pela investigação do ataque, a emboscada pode ter sido resultado de um acerto de contas entre grileiros. "Informações apontam que havia armas com as pessoas que estavam no caminhão, por isso é possível que tenha sido um acerto de contas. Mas [os assassinos] podem ser até seguranças de fazenda. Não estamos descartando nenhuma hipótese", declara.

Henri inspecionou o caminhão e visitou o local do crime, e defende a tese de que o objetivo dos pistoleiros era eliminar todos que estavam no veículo. "Os tiros foram, indiscriminadamente, para matar todos os que estavam dentro. Atiraram dentro da cabine, sobre três mulheres e o motorista."

Barril de pólvora
A fazenda Estrela de Maceió e seus entornos volta e meia ganham espaço nos jornais com casos de violência. Em 1998, foram encontradas no local 60 pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão, o que rendeu a inclusão da empresa Lima Araújo Agropecuária, proprietária da fazenda, na "lista suja" da escravidão. Nesse cadastro do governo federal constam empregadores que comprovadamente utilizaram esse tipo de mão-de-obra

Em 2001 e 2002, a Fazenda Estrela das Alagoas, do mesmo grupo, também foi flagrada cometendo o crime. A reincidência rendeu à Lima Araújo, em fevereiro deste ano, uma condenação de R$ 5 milhões ao Fundo de Amparo ao Trabalhador por danos morais coletivos. A condenação, confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho do Pará, é a maior dada a uma empresa por trabalho escravo. A Lima Araújo está recorrendo.

Em 2005, o desaparecimento de três agricultores do município de Redenção (PA), que passavam de moto pelas proximidades da fazenda, aumentou o clima de tensão no local. Segundo o delegado Ferreira, até hoje a polícia não sabe o que aconteceu e nenhum corpo foi encontrado.

O grupo de trabalhadores rurais sem-terra que ocupa as margens da Estrela de Maceió chegou ao local no final de 2005. Em abril deste ano, o grupo foi despejado pela Polícia Militar do Pará, que trazia um documento de reintegração de posse à fazenda. Os trabalhadores alegam que o despejo foi ilegal, já que não estavam dentro dos limites da propriedade, mas em terras devolutas da União. Em outubro, os trabalhadores montaram novamente acampamento no local e aguardam uma vistoria da Justiça para determinar se as terras pertencem ou não à Estrela de Maceió.

Leia a carta enviada pela CPT à Ouvidoria Agrária Nacional

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