Especial Unaí III

Ameaças a fiscais do trabalho são comuns no Noroeste de Minas Gerais

Agências do Ministério do Trabalho e Emprego já sofreram tentativa de incêndio e ameaça de invasão; clima de hostilidade aos auditores é intenso no local
Por André Campos*
 25/01/2007

O assassinato de três auditores fiscais do trabalho e do motorista que os acompanhava, ocorrido em janeiro de 2004 nas proximidades de Unaí (MG), não pode ser considerado uma situação isolada de violência contra funcionários públicos que atuam naquela região. Ameaças e constrangimento à ação desses servidores são, segundo funcionários da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais, uma realidade recorrente nos municípios próximos ao local dos crimes.

 
Em fevereiro de 2004, após o assassinato de três fiscais do MTE e de um motorista, auditores realizaram ato público em Unaí (MG) exigindo mais segurança (Foto: Sinait)

De acordo com Doralice Lisboa, chefe da Seção de Fiscalização da DRT-MG, a instalação da Subdelegacia do Trabalho de Paracatu – município vizinho a Unaí – em 1998 marca a intensificação dessas animosidades. Em 2000, ocorreu inclusive uma tentativa de invasão da sede do órgão.

Ela ressalta que, na ocasião, aliciadores de mão-de-obra teriam manipulado lavradores para invadir a Subdelegacia, afirmando que as fiscalizações geravam desemprego. Os manifestantes atiraram pedras, garrafas e quebraram um veículo a serviço público. “Ainda bem que a policia ajudou, porque eu não sei o que poderia ter acontecido”, afirma Dália Maria Ulhôa, chefe da Subdelegacia de Paracatu.

"Antes da tragédia, alguns auditores já haviam sido ameaçados por proprietários e gerentes de empresas locais", conta Doralice Lisboa. Além disso, também já ocorreu uma tentativa de incendiar a sede local do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

José Augusto de Paula Freitas, presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFT-MG), afirma que há hoje um clima de hostilidade geral à presença dos auditores do Trabalho na região de Unaí. "Tanto é verdade que um dos acusados pelos crimes [Antério Mânica] foi eleito prefeito do município", lembra. Juntamente com o seu irmão Norberto, Antério Mânica foi denunciado como mandante da chacina. "Quiseram executar os auditores durante o exercício de suas funções, claramente para intimidar as ações de inspeção", acredita Paula Freitas.

Segundo relatórios das fiscalizações móveis realizadas pela DRT-MG e pelo MTE na região, de 1995 até o dia em que ocorreram os assassinatos houve ao menos sete inspeções em propriedades pertencentes à família Mânica. Durante elas, foram lavrados 30 autos de infração relativos a irregularidades trabalhistas. Em municípios mineiros próximos a Unaí foram libertadas, entre 2000 e meados do ano passado, ao menos 55 pessoas submetidas a regime de trabalho escravo. Além disso, mais de mil trabalhadores sem carteira assinada foram registrados durante inspeções dos grupos móveis nesse mesmo período.

Para o presidente da AAFT-MG, a Chacina de Unaí ocorreu em uma área bastante crítica no que diz respeito às condições trabalhistas no meio rural. Segundo ele, a região é historicamente longínqua e de difícil acesso – fato que colaborou para o desenvolvimento de relações "tacanhas de coronelismo" nos municípios do local. "Hoje o agronegócio lá convive com situações de intensa exploração do trabalhador", coloca.

Defesa dos trabalhadores
Na região de Unaí, muitos fazendeiros ainda preferem arriscar serem multados em vez de assinar a carteira de trabalho, porque acham que não vão ser punidos. É o que afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, Manoel José de Faria. "Apesar de ter um posto da DRT na região, está faltando fiscalização", critica. Para ele, essa lacuna é sentida principalmente de 1º de janeiro a 15 de março, quando ocorre o pico da utilização de mão-de-obra para colheita na roça de feijão. "Depois da chacina, achamos que as fiscalizações iam aumentar. Mas, na verdade, elas diminuiram."

Em 2004, ano da tragédia, foram realizadas apenas seis ações de fiscalização rural na região. Doralice Lisboa conta que houve realmente uma época de torpor e luto envolvendo os auditores do Trabalho. "Os fiscais temem a violência, e passaram a cobrar mais estrutura para ir a campo", diz.

Em 2005 e 2006, no entanto, as inspeções voltaram a acontecer com mais freqüência. Foram cerca de 700 trabalhadores rurais registrados nesse período, incluindo Unaí e região próxima. Segundo a chefe do DRT, todas as equipes de fiscalização que vão aos municípios daquela área têm sido acompanhadas pela Polícia Federal para garantir sua proteção.

A Chacina de Unaí trouxe à luz diversas exigências da categoria dos auditores do trabalho por melhores condições de segurança durante as ações em campo. Direito de porte de arma, fornecimento de equipamentos de comunicação e localização aos grupos de fiscalização, acompanhamento policial em todas as operações e fornecimento de coletes à prova de bala aos fiscais são, atualmente, algumas das demandas da categoria.

"A medida de segurança que melhor protege os grupos de fiscalização é a condenação dos assassinos, intermediários e mandantes dos crimes", ressalta contudo Ricardo Ferreira Deusdará, chefe da Seção de Saúde e Segurança no Trabalho da DRT-MG. "Não há medida mais eficaz que a justiça."

*colaboraram Beatriz Camargo e Carlos Juliano Barros

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