Especial Unaí

Chacina de Unaí completa três anos sem julgamento dos acusados

Dos nove envolvidos, nenhum foi julgado - entre eles, Antério e Norberto Mânica, expoentes do agronegócio brasileiro. Enquanto isso, a sombra das mortes ainda afeta o dia-a-dia dos fiscais do trabalho, que atuam em uma das frentes de expansão da fronteira agrícola no país
Por Repórter Brasil
Nelson José da Silva, João Batista Soares Lages, Erastótenes de Almeida Gonçalves e Aílton Pereira de Oliveira foram mortos enquanto realizavam fiscalização em Unaí (MG) (Fotos: Sinait)

O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora.

Em 28 de janeiro de 2004, os quatro, funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego, foram assassinados enquanto realizavam uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. O caso ganhou repercussão na mídia nacional e internacional, o que levou o governo federal a uma verdadeira caçada aos executores e mandantes do crime.

As investigações da Polícia Federal, encerradas seis meses depois, no segundo semestre de 2004, apontaram como mandantes dos assassinatos os fazendeiros Norberto e Antério Mânica, que figuram entre os maiores produtores de feijão do mundo. Ambos chegaram a ser presos, mas hoje respondem ao processo em liberdade. Após isso, Antério foi eleito prefeito de Unaí pelo PSDB, com 72,37% dos votos válidos, ganhando fórum privilegiado.

Norberto foi solto em agosto de 2005, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe conceder habeas corpus. Foi preso novamente no dia 17 de julho de 2006, sob acusação de que estaria atrapalhando as investigações sobre a chacina. Por fim, uma nova liminar concedida em novembro passado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a Norberto o direito de responder ao processo em liberdade.

O inquérito entregue à Justiça afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores. Nelson José da Silva seria o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações à fazenda dos Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

Localização de Unaí (MG), distante 168 km de Brasília e 578 km de Belo Horizonte

Também estão envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”) e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Esse último, ao lados dos irmãos Mânica, são os únicos a responderem ao processo em liberdade.

Hugo Alves Pimenta, comerciante de cereais e patrão de Castro, chegou a ficar solto, mas voltou para cadeia depois que a Polícia Federal descobriu depósitos de dinheiro em contas de namoradas dos pistoleiros feitos por ele. Além disso, a PF apurou que Pimenta havia prometido R$ 400 mil a cada matador que mantivesse no seu depoimento a versão de roubo seguido de morte – e não de homicídio planejado. Um dos motivos da prisão preventiva de Norberto Mânica, em julho de 2006, foi a denúncia de que ele teria ligações com os depósitos, e de que estaria ameaçando uma das viúvas das vítimas. Segundo o STJ, a falta de indícios para essas acusações justificava, entre outras razões, o habeas corpus de Norberto.

Pouco mais de um ano após Unaí, veio o caso de Anapu. Em 12 de fevereiro de 2005, a missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang foi assassinada por fazendeiros dessa região de fronteira agropecuária do Pará, descontentes com a atuação da irmã em prol dos projetos de desenvolvimento sustentável.

Unaí e Anapu são casos diferentes, mas exemplos da grave situação de violência no campo. Que torna-se mais intensa quando alguém se insurge contra a exploração da terra e do trabalhador. Seja ele funcionário público ou integrante de movimentos sociais.

No Pará, todos os cinco acusados pelo assassinato da missionária Dorothy Stang encontram-se atualmente presos. Três deles já foram condenados: os pistoleiros Raifran das Neves e Clodoaldo Batista, além do fazendeiro Amair Fejoli da Cunha, que os contratou. Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão, suspeitos de serem os mandantes, aguardam julgamento na cadeia.

Enquanto isso, Unaí espera uma solução.

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