Combate à escravidão

Empresas de ônibus reclamam de regras contra aliciamento

Agência Nacional de Transportes Terrestres propõe nova resolução proibindo empresas de ônibus de transportar trabalhadores rurais que não estejam com a carteira de trabalho assinada
Por Iberê Thenório
 15/01/2007

Novas regras para o transporte interestadual de trabalhadores rurais propostas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) incomodaram as empresas de ônibus que realizam esse serviço no país.

A Agência pretende exigir de todas as empresas de fretamento de ônibus que transportem apenas grupos de trabalhadores que já tenham suas carteiras de trabalho assinadas. Caso contrário, a empresa de ônibus não obterá a autorização para partir.

A proposta faz parte de um pacote de novas regras para o transporte rodoviário de passageiros sob regime de fretamento, ou seja, quando empresas de ônibus são contratadas para prestar serviços a terceiros. Para discutir as mudanças, a ANTT propôs uma audiência pública no dia 23 de janeiro.

Para a advogada da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo (Fresp), Regina Rocha, a exigência da carteira assinada trará grande prejuízo para as empresas de ônibus, já que grande parte de sua receita vem do transporte de trabalhadores do Nordeste para São Paulo nas safras de cana.

"Quando eles [cortadores de cana] saem da sua cidade, ainda não têm vínculo de emprego garantido. São intermediários que arregimentam e alugam um ônibus para trazer as pessoas." Segundo Regina, a exigência da assinatura em carteira poderá beneficiar transportadoras que atuam ilegalmente, que fazem o transporte sem licença da ANTT. "Corre-se o risco de empresas irregulares fazerem o serviço. Há caminhos de estrada de terra para desviar dos postos de fiscalização", afirma.

Roberto Figueiredo, chefe da fiscalização rural da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo, explica que a intermediação que coopta os trabalhadores em seus locais origem e os levam para o serviço, muitas vezes feita por contratadores de mão-de-obra, os conhecidos "gatos", é ilegal. Não são raras as vezes que os trabalhadores são enganados sobre as reais condições de trabalho.

"Prometem que as pessoas vão ganhar o mundo e o fundo. Mas quando elas chegam, já estão devendo a viagem. Ficam devendo até o valor da moradia antes do trabalho começar." Esse endividamento, muitas vezes fraudulento, é uma das maneiras de impedir que a pessoa deixe o emprego – e, segundo o artigo 149 do Código Penal, uma das situações que configuram o trabalho escravo. Na opinião de Roberto, os ônibus que atuam de forma clandestina, continuarão operando dessa forma mesmo com a aplicação da norma.

Segundo a chefe da Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho do MTE, Ruth Vilela, a lei trabalhista deve ser cumprida, e as empresas de ônibus também devem se adequar à ela. "Para isso não tem solução. A lei determina que os trabalhadores estejam regularizados, para sabermos onde eles prestarão o serviço, evitando assim o trabalho escravo e o trabalho informal ou irregular."

Segundo a assessoria da ANTT, a nova exigência visa à proteção dos próprios transportadores, já que eles podem ser "objeto de representação do Ministério Público do Trabalho, por realizar transporte de trabalhadores escravos, como já ocorrido".

A advogada da Fresp não tem o mesmo ponto de vista, e diz que a federação se esforçará para que a ANTT não aprove essa regra. "Se a ANTT não rever a posição, vamos estudar uma medida judicial para reverter a decisão."

Garantia de direitos
Desde 1994, o MTE exige um documento chamado Certidão Liberatória para o transporte de trabalhadores rurais. Para obtê-la, o empregador deve apresentar as carteiras de trabalho de seus empregados devidamente anotadas, atestados médicos admissionais e contratos escritos, que detalhem as condições de serviço, como alojamentos e alimentação.

Além de servir como garantia de boas condições de trabalho, Figueiredo afirma que a Certidão Liberatória também é importante para que o trabalhador viaje com segurança, pois com ela qualquer acidente no percurso pode ser registrado como acidente de trabalho, e as vítimas podem receber cobertura previdenciária do INSS.

Com a mudança proposta pela ANTT, os ônibus que não portarem o documento não obterão autorização para realizar a viagem. A nova exigência permitirá que a Polícia Rodoviária Federal, além do MTE, também passe a verificar se o empregador está cumprindo a lei, pois os policiais têm poder para fiscalizar o cumprimento das normas da Agência. Caso um ônibus seja flagrado sem autorização de partida, o veículo pode ser apreendido e a empresa, multada.

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