Trabalho escravo

Fiscalização liberta 23 trabalhadores no Sudeste do Pará

Empregados das duas propriedades fiscalizadas, ambas no município de Itupiranga (PA), dormiam em barracos de lona e comiam apenas arroz e feijão. Quando um boi era morto, os peões ficavam só com o bucho e as vísceras
Por Beatriz Camargo
 23/01/2007

O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 23 pessoas em duas propriedades rurais no município de Itupiranga, Sudeste do Estado do Pará. Na quarta-feira (17), os auditores fiscais encontraram dez pessoas em situação análoga à escravidão na Fazenda Água Boa, a 27 quilômetros de Marabá (PA). No dia seguinte, a equipe foi até a Fazenda Usivel, onde foram libertados 13 trabalhadores.

Os empregados de Água Boa não recebiam salário desde outubro de 2006. Além disso, tinham dívidas com o patrão, um dos indícios da existência de trabalho escravo. Entre os libertados havia uma mulher, que trabalhava como cozinheira. "Ferramentas, alimento, tudo era cobrado. Até a lona da barraca", relata o coordenador da ação, o auditor fiscal Klinger Moreira. Ele conta que o fazendeiro fazia compras no supermercado da cidade e repassava os produtos para os trabalhadores. Dessa forma, aumentava a dívida deles sem informá-los quanto estava sendo cobrado por cada item.

Os peões dormiam em barracos de lona e madeira, sem acesso a água potável para beber. A jornada na fazenda de pecuária consistia em derrubar a mata, construir cercas e produzir carvão vegetal. Os empregados comiam arroz e feijão todos os dias e, se eventualmente o fazendeiro matava um boi, eles tinham direito apenas ao bucho e às tripas. Ao todo, o proprietário desembolsou R$ 43 mil com verbas rescisórias dos funcionários.

Casa para os bodes
Na Fazenda Usivel, localizada 100 km de Marabá (PA), havia inclusive uma criança de três anos, que acompanhava a mãe por esta não ter com quem deixar a filha. Os empregados estavam no local há apenas dez dias, mas já reclamavam das condições de trabalho. "Havia a promessa do ‘gato’ de um bom alojamento, que foi descumprida", descreve Moreira.

Ao chegar à sede da Usivel, no início do mês, os trabalhadores avistaram pequenas casas de madeira e perguntaram ao funcionário responsável se elas poderiam ser utilizadas como alojamento. "A resposta foi que as construções serviam de casa para os bodes criados na fazenda, e que eles [os empregados] deveriam montar acampamento em barracas de lona próximas ao rio", lembra o coordenador da ação. "Os bodes estavam melhor alojados que os homens."

Os peões faziam o roço da juquira e preparavam o pasto para receber os bois. Assim como na fazenda fiscalizada um dia antes, eles recebiam apenas arroz, feijão e partes do boi desprezadas pelo patrão – bucho, tripa e cabeça. Também não recebiam equipamentos de trabalho, como botas e foice. Tudo era comprado das mãos do fazendeiro, que trazia os produtos da cidade.

A denúncia recebida pelo MTE, que originou a ação na Usivel, se referia a um grupo de trabalhadores que já havia deixado a propriedade. Mas, segundo Moreira, as condições oferecidas aos empregados recém-chegados eram as mesmas das descritas na denúncia.

Uma terceira propriedade em Itupiranga ainda está sendo fiscalizada desde segunda-feira (22), quando quatro trabalhadores foram resgatados de trabalho degradante. De acordo com Moreira, o pagamento estava em dia, mas as condições de trabalho eram muito ruins. Ainda não foi calculado o valor de quanto o proprietário deverá desembolsar. A ação prossegue na região pelo menos até o fim desta semana.

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