Mais Problemas com a Justiça

 12/01/2007

POR OSWALDO VIVIANI

Campeão das ‘listas sujas' do trabalho escravo no Maranhão, o fazendeiro é acusado de ter comprado óleo diesel roubado

O agropecuarista Miguel Sousa Rezende, de 74 anos, está envolvido no roubo de 30 mil litros de óleo diesel da empresa Transpel, ocorrido no dia 26 de dezembro passado. O fazendeiro – que aparece em todas as "listas sujas" do trabalho escravo no Maranhão – foi apontado por três outros acusados (entre eles, o motorista do caminhão-tanque) como o homem que comprou o combustível roubado.

Policiais chefiados pelo delegado Carlos Cézar Andrade, da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) de Imperatriz, encontraram, no final da semana passada, parte do óleo diesel roubado (25 mil litros) numa caixa d'água, num tanque e em vários tambores que estavam numa propriedade de Miguel Rezende, na rua Mário Andreazza, no bairro Maranhão Novo (periferia de Imperatriz).

Assalto inventado – Inicialmente, a polícia tratou o caso como mais uma carga de caminhão tomada de assalto na BR-010 (Belém-Brasília), conforme foi informado pelo motorista da Transpel, o baiano Sanção Carlos Lacerda Neto, 36.

Depois, segundo contou ao Jornal Pequeno o delegado Carlos Cezar Andrade, o tal assalto revelou-se uma simulação, uma vez que surgiu uma testemunha que viu dois homens entrando numa Saveiro verde (de propriedade de Sanção), logo após abandonarem o caminhão-tanque, já vazio, da Transpel na avenida Pedro Neiva de Santana.

Pressionado pelos policiais, o motorista Sanção confessou que a história do assalto havia sido inventada, e "entregou" José Roberto dos Santos Lago, o "Zé Roberto", 33, e Manoel Ferreira Soares Alves, o "Buzina", 48, como co-participantes da ação criminosa.

"Zé Roberto", ex-funcionário da Transpel, teria idealizado o "golpe" e procurado "Buzina" para que este encontrasse um comprador para a carga roubada.

O pecuarista Miguel Sousa Rezende foi apontado pelos três acusados como a pessoa que comprou o combustível desviado, depois de tentativas malsucedidas de vender a carga para os postos Pequiá e Carreteiro. Rezende teria oferecido R$ 30 mil pelo diesel, sendo que metade desse valor teria sido paga no momento da entrega, feita no mesmo dia 26 de dezembro. O valor real da carga era de R$ 52 mil.

Pecuarista nega – Em depoimento prestado ao delegado Carlos Cézar na última terça-feira, 9, o pecuarista Miguel Rezende negou que tenha comprado a carga de óleo diesel desviada da Transpel e afirmou que não sabia que o combustível era produto de roubo.

Ele disse que não conhecia Sanção nem "Zé Roberto". Declarou, ainda, que Manoel Ferreira Alves, o "Buzina" (que sabia ser tratorista no Pequiá, em Açailândia) apareceu na sede de suas fazendas, no Maranhão Novo, com o caminhão carregado de combustível, que disse ter recebido como pagamento de uma dívida, e que queria alugar os tanques de Rezende como depósito. Segundo Rezende, "Buzina" garantiu que o óleo diesel tinha nota fiscal, e que a traria no dia seguinte, coisa que não fez.

O fazendeiro disse também que mantém a caixa d'água, o tanque e os tambores em sua propriedade porque a demanda de combustível em suas fazendas é grande e por isso ele estoca o produto, que, segundo ele, é adquirido junto às distribuidoras ou aos postos que facilitam o pagamento.

O combustível recuperado pela polícia já foi devolvido à Transpel. Os quatro acusados de envolvimento no desvio do óleo diesel vão responder ao processo em liberdade, já que, segundo o delegado Carlos Cezar, não houve o flagrante e eles até agora estão atendendo às intimações da polícia para prestar os depoimentos sobre o caso.

O fato de Sanção, "Zé Roberto" e "Buzina" não terem comprovado até agora que efetivamente receberam dinheiro de Miguel Rezende pelo óleo diesel pode complicar a situação deles e facilitar a do pecuarista. Os R$ 15 mil supostamente recebidos seriam a comprovação do crime, mas o dinheiro ainda não apareceu.

Trabalhador rural quase foi morto por jagunços de Rezende

Mineiro de Lavras, o pecuarista Miguel Sousa Rezende, é "figurinha fácil" em todos os "listões" de exploradores do trabalho escravo no Maranhão desde que essas relações começaram a ser divulgadas pelo Ministério do Trabalho e entidades de direitos humanos, no início desta década.

Suas três principais fazendas – a Rezende, em João Lisboa; a Pindaré, em Amarante; e a Zonga, em Bom Jardim – já foram autuadas dezenas de vezes pela fiscalização do MT. Só de 1996 a 2003, foram encontrados em suas propriedades cerca de 210 trabalhadores submetidos a trabalho análogo à escravidão. Rezende já teve de pagar mais de R$ 200 mil em rescisões trabalhistas. Ele vende o gado produzido em suas fazendas para o Mafrinorte – Unidade Bacabal, frigorífico que comercializa com grandes redes de supermercados do país. Em 2005, a juíza Luciane Sobral, da Vara Trabalhista de Açailândia, condenou Miguel Rezende a pagar uma indenização por danos morais de R$ 12 mil ao trabalhador rural Antonio Gomes dos Santos, submetido à condição de escravo na fazenda Pindaré, em Amarante. O fato ocorreu em 1996, quando Antônio foi contratado por um "gato" (agenciador) para trabalhar no roço da "juquira" (retirada de arbustos, ervas daninhas e outras plantas indesejáveis). De acordo com informações do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailância, o trabalhador foi submetido a tratamento cruel e desumano, sem receber pagamento.

Quando tentou fugir com outros trabalhadores, Antonio foi perseguido por jagunços armados da fazenda Pindaré, mas ele e outros dois trabalhadores conseguiram escapar e, após vários dias na mata, chegaram a Açailândia, onde encontraram acolhida no CDVDH.

Após o ocorrido, uma força tarefa de fiscais do MT e policiais federais detectou a existência de trabalho escravo nas fazendas Zonga e Pindaré.

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