Na manhã da última quarta-feira, cerca de 50 índios tupiniquim-guarani fecharam durante alguns minutos uma via da Esplanada dos Ministérios. O breve protesto foi o início de uma longa jornada nos últimos dois dias em busca da resolução do processo de homologação de 11 mil hectares historicamente ocupados pelas comunidades e invadido desde a década de 1960 pela empresa Aracruz Celulose, no município de Aracruz, no norte do Espírito Santo. Mas, após as tentativas, os índios regressaram ontem à sua cidade sem serem recebidos por integrantes do governo federal.
O principal alvo era o ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos. Depende dele a decisão pela homologação da terra, uma vez que a Fundação Nacional do Índio (Funai) já publicou neste ano um relatório antropológico, atestando a área como terra indígena e manteve a posição mesmo com a contestação sobre o caso apresentada pela Aracruz.
No entanto, o ministro comunicou aos índios, por meio de uma assessora, que não receberia os representantes das comunidades, assim como não atenderia a empresa enquanto o departamento jurídico do ministério não finalizasse um parecer sobre o caso.
Críticas
As lideranças criticam Thomaz Bastos por não recebê-las e cobram o acordo feito em dezembro último, após a ocupação do porto da Aracruz realizada por 250 indígenas. Na época, o ministro se comprometeu, por meio de representantes da Funai, a receber dez lideranças em Brasília. Mais do que a demora na conversa com Bastos, os Tupiniquim-Guarani cobram pressa na homologação das terras. Segundo o cacique Tupiniquim Jaguareté, o Ministério da Justiça, pelo rito administrativo normal, teria prazo de apenas 30 dias a contar de setembro, quando a Funai negou a contestação enviada pela empresa. "Nossa avaliação é que, aqui no Ministério, mais uma vez o governo está enrolando a gente. O processo já está ali, não tem mais nada a fazer a não ser tomar uma decisão", diz Paulo Tupiniquim, um dos representantes que esteve em Brasília.
Para o cacique, a demora na resolução do caso é prejudicial às comunidades pela situação precária em que seus integrantes se encontram, na periferia do município de Aracruz. Ele questiona o porquê da resistência, uma vez que a área representa apenas 2,7% dos quase
263 mil hectares ocupados por plantações de eucaliptos na região. O líder indígena acrescenta que a falta de um posicionamento contribui também para o acirramento de ânimos entre os índios e os trabalhadores da Aracruz. Já há algum tempo, diz, a direção da empresa vêm usando seus
empregados para criar um clima de hostilidade contra os tupiniquim-guarani. O ápice deste movimento foi o conflito entre estes e os índios que ocuparam o porto da Aracruz em dezembro.
Após reunião com a comitiva que esteve em Brasília, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), enviou carta destacando os riscos apontados pelo cacique e cobrando do Ministro da Justiça a homologação das terras.
"Tendo em vista que os processos estão prontos para a chancela ministerial, e sendo V.Exª conhecedor dos mesmos, seria de todo conveniente que as portarias necessárias fossem expedidas com urgência, evitando a descontinuidade que ocorreria na hipótese de protelação até a
posse e ciência do caso pelo próximo Ministro. Tal descontinuidade pode, inclusive, favorecer o agravamento de conflitos, com ameaça à segurança dos envolvidos", escreveu o deputado.
De volta à Aracruz, as comunidades irão avaliar qual será a estratégia para pressionar o governo à homologar as terras. A Aracruz mantém a argumentação de que os integrantes das comunidades não são índios e que já se integraram ao modo de vida do restante da população. A empresa conta com uma campanha ideológica forte, cujo teor chegou a gerar uma ação por parte do Ministério Público. Outro trunfo forte é o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, cujo escritório foi contratado para a defesa da companhia. Com a reforma ministerial prevista para fevereiro, uma possibilidade real é Márcio Thomaz Bastos deixar o "pepino" para seu sucessor. Se o destino da área ainda não está decidido, certo é que a demora provavelmente reascenderá o conflito entre os índios e a Aracruz.
Entenda o caso
Há atualmente cerca de dois mil guaranis e tupiniquins reconhecidos em Aracruz. A partir da década de 1960, a empresa começou a acumular terras na região, num processo que teria expulsado diversos índios de suas terras e extinguido dezenas das suas comunidades. Hoje, as aldeias de Aracruz assemelham-se a pequenas vilas interioranas, com centenas de habitantes vivendo em pequenos núcleos. Se realmente homologados, os 11 mil hectares praticamente triplicariam as terras demarcadas no município, e permitiriam, segundo os índios e relatórios da Funai, uma retomada de diversos dos aldeamentos extintos – além de aspectos da economia, da cultura e do modo de vida tradicional.
Em fevereiro do ano passado, lideranças das duas etnias já haviam se reunido com Thomaz Bastos. O ministro foi ao município, a pedido do próprio presidente Lula, após ação da Polícia Federal que feriu dezenas de indígenas no mês anterior. Os índios haviam ocupado parte da área em litígio para recriar a aldeia de Olho d'Água – uma das comunidades tupiniquins que teriam sido extintas com a chegada da Aracruz Celulose.
Na ocasião, o ministro se comprometeu a concluir a regularização das terras em favor dos índios ainda em 2006. Em dezembro, para pressionar o cumprimento dessa promessa, tupiniquins e guaranis ocuparam o Portocel – maior porto de embarque de celulose do mundo, de propriedade da Aracruz Celulose – e paralisaram as atividades do terminal. O episódio terminou em confronto entre eles e centenas de trabalhadores ligados à empresa naquele município.
A Aracruz Celulose alega que as terras em disputa jamais foram ocupadas pelos indígenas e que os tupiniquins de Aracruz não possuem mais traços da cultura tradicional. Além disso, segundo a companhia, grupos de interesse teriam atuado de forma perniciosa na região, visando induzir
populações regionais – já completamente integradas à sociedade – a assumirem identidade étnica diferenciada.