Caso Aracruz

Ministro da Justiça não atende índios que cobram homologação de terras

Após protesto em Brasília, por não serem recebidos pelo Ministro Marcio Thomaz Bastos, índios voltam ao Espírito Santo sem verem suas reivindicações atendidas. Agora planejam novas formas de luta
Jonas Valente
 19/01/2007

Na manhã da última quarta-feira, cerca de 50 índios tupiniquim-guarani fecharam durante alguns minutos uma via da Esplanada dos Ministérios. O breve protesto foi o início de uma longa jornada nos últimos dois dias em busca da resolução do processo de homologação de 11 mil hectares historicamente ocupados pelas comunidades e invadido desde a década de 1960 pela empresa Aracruz Celulose, no município de Aracruz, no norte do Espírito Santo. Mas, após as tentativas, os índios regressaram ontem à sua cidade sem serem recebidos por integrantes do governo federal.

O principal alvo era o ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos. Depende dele a decisão pela homologação da terra, uma vez que a Fundação Nacional do Índio (Funai) já publicou neste ano um relatório antropológico, atestando a área como terra indígena e manteve a posição mesmo com a contestação sobre o caso apresentada pela Aracruz.

No entanto, o ministro comunicou aos índios, por meio de uma assessora, que não receberia os representantes das comunidades, assim como não atenderia a empresa enquanto o departamento jurídico do ministério não finalizasse um parecer sobre o caso.

Críticas
As lideranças criticam Thomaz Bastos por não recebê-las e cobram o acordo feito em dezembro último, após a ocupação do porto da Aracruz realizada por 250 indígenas. Na época, o ministro se comprometeu, por meio de representantes da Funai, a receber dez lideranças em Brasília. Mais do que a demora na conversa com Bastos, os Tupiniquim-Guarani cobram pressa na homologação das terras. Segundo o cacique Tupiniquim Jaguareté, o Ministério da Justiça, pelo rito administrativo normal, teria prazo de apenas 30 dias a contar de setembro, quando a Funai negou a contestação enviada pela empresa. "Nossa avaliação é que, aqui no Ministério, mais uma vez o governo está enrolando a gente. O processo já está ali, não tem mais nada a fazer a não ser tomar uma decisão", diz Paulo Tupiniquim, um dos representantes que esteve em Brasília.

Para o cacique, a demora na resolução do caso é prejudicial às comunidades pela situação precária em que seus integrantes se encontram, na periferia do município de Aracruz. Ele questiona o porquê da resistência, uma vez que a área representa apenas 2,7% dos quase
263 mil hectares ocupados por plantações de eucaliptos na região. O líder indígena acrescenta que a falta de um posicionamento contribui também para o acirramento de ânimos entre os índios e os trabalhadores da Aracruz. Já há algum tempo, diz, a direção da empresa vêm usando seus
empregados para criar um clima de hostilidade contra os tupiniquim-guarani. O ápice deste movimento foi o conflito entre estes e os índios que ocuparam o porto da Aracruz em dezembro.

Após reunião com a comitiva que esteve em Brasília, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), enviou carta destacando os riscos apontados pelo cacique e cobrando do Ministro da Justiça a homologação das terras.
"Tendo em vista que os processos estão prontos para a chancela ministerial, e sendo V.Exª conhecedor dos mesmos, seria de todo conveniente que as portarias necessárias fossem expedidas com urgência, evitando a descontinuidade que ocorreria na hipótese de protelação até a
posse e ciência do caso pelo próximo Ministro. Tal descontinuidade pode, inclusive, favorecer o agravamento de conflitos, com ameaça à segurança dos envolvidos", escreveu o deputado.

De volta à Aracruz, as comunidades irão avaliar qual será a estratégia para pressionar o governo à homologar as terras. A Aracruz mantém a argumentação de que os integrantes das comunidades não são índios e que já se integraram ao modo de vida do restante da população. A empresa conta com uma campanha ideológica forte, cujo teor chegou a gerar uma ação por parte do Ministério Público. Outro trunfo forte é o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, cujo escritório foi contratado para a defesa da companhia. Com a reforma ministerial prevista para fevereiro, uma possibilidade real é Márcio Thomaz Bastos deixar o "pepino" para seu sucessor. Se o destino da área ainda não está decidido, certo é que a demora provavelmente reascenderá o conflito entre os índios e a Aracruz.

Entenda o caso
Há atualmente cerca de dois mil guaranis e tupiniquins reconhecidos em Aracruz. A partir da década de 1960, a empresa começou a acumular terras na região, num processo que teria expulsado diversos índios de suas terras e extinguido dezenas das suas comunidades. Hoje, as aldeias de Aracruz assemelham-se a pequenas vilas interioranas, com centenas de habitantes vivendo em pequenos núcleos. Se realmente homologados, os 11 mil hectares praticamente triplicariam as terras demarcadas no município, e permitiriam, segundo os índios e relatórios da Funai, uma retomada de diversos dos aldeamentos extintos – além de aspectos da economia, da cultura e do modo de vida tradicional.

Em fevereiro do ano passado, lideranças das duas etnias já haviam se reunido com Thomaz Bastos. O ministro foi ao município, a pedido do próprio presidente Lula, após ação da Polícia Federal que feriu dezenas de indígenas no mês anterior. Os índios haviam ocupado parte da área em litígio para recriar a aldeia de Olho d'Água – uma das comunidades tupiniquins que teriam sido extintas com a chegada da Aracruz Celulose.

Na ocasião, o ministro se comprometeu a concluir a regularização das terras em favor dos índios ainda em 2006. Em dezembro, para pressionar o cumprimento dessa promessa, tupiniquins e guaranis ocuparam o Portocel – maior porto de embarque de celulose do mundo, de propriedade da Aracruz Celulose – e paralisaram as atividades do terminal. O episódio terminou em confronto entre eles e centenas de trabalhadores ligados à empresa naquele município.

A Aracruz Celulose alega que as terras em disputa jamais foram ocupadas pelos indígenas e que os tupiniquins de Aracruz não possuem mais traços da cultura tradicional. Além disso, segundo a companhia, grupos de interesse teriam atuado de forma perniciosa na região, visando induzir
populações regionais – já completamente integradas à sociedade – a assumirem identidade étnica diferenciada.

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