Diversidade

Governo lança política para comunidades tradicionais

Documento traça as diretrizes para o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Representantes das comunidades vêem avanço, mas setores do governo temem falta de verbas
Por Beatriz Camargo
 12/02/2007
As quebradeiras de côco babaçu são um dos segmentos tradicionais contemplados pela nova Política (Foto André Campos)

O governo lançou quarta-feira (7), por meio de decreto presidencial, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Ela traz 18 objetivos e mais de 200 diretrizes, que incluem desde educação e saúde atentas às demandas específicas desses povos quanto medidas de valorização das suas culturas. A partir de agora, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) – um fórum composto por representantes do governo e das comunidades – terá 90 dias para entregar um plano de ação que trará medidas concretas baseadas nos objetivos da Política – o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

"Consideramos um avanço, porque é a primeira vez que o governo recebe esses segmentos e abre para a discussão. Não sei dizer se a gente vai ou não ser atendido, mas ajudamos na elaboração dessa Política", avalia a coordenadora geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Côco Babaçu (MIQCB), Maria Adelina Sousa Chagas, a "Dáda", que também é representante do setor na Comissão.

Para Márcia Yáskara, representante da comunidade cigana na CNPCT, a Política é um grande passo no reconhecimento da cultura dos povos tradicionais. No caso dos ciganos, ela espera que haja uma "quebra da distância" que os separa da sociedade. "O primeiro passo seria, portanto, mudar os livros de história. Nunca li um livro de história do Brasil que nos citasse, e nós estivemos em vários acontecimentos relevantes, como Guerra do Paraguai, Revolução dos Farrapos, Contestado e Quilombo dos Palmares." A comunidade cigana reivindica também um local onde possa levantar acampamento, além do acesso a direitos como registrar seus filhos em cartório, colocá-los em uma escola e usufruir da saúde pública.

O direito à terra é outro ponto muito discutido na Comissão que elaborou a Política recém-lançada. Josilene Brandão, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), defende que a mais importante das conquistas dos povos tradicionais será a garantia de seu território. "Temos conflitos em quase todas as áreas dessas comunidades. O governo precisa investir nessa garantia urgentemente", defende.

O plano de ação baseado na Política deverá reunir novas iniciativas e ações já existentes, gerenciadas por setores do governo ou da sociedade civil. "Para colocar em prática o que ainda não começou, mas já está previsto, tem que haver uma grande mobilização", salienta Dáda, do MIQCB.

Josilene prevê duas linhas de ação: uma delas é a criação de uma rede de comunidades e povos tradicionais, na qual, segundo ela, esses grupos possam constituir demandas e garantir sua participação no cenário político. A outra é pressionar o poder executivo para estabelecer um diálogo imediato e permanente. "Queremos uma estrutura específica no governo, uma secretaria ou ministério, que atenda diretamente esses segmentos", cobra a líder quilombola.

Prioridade de Estado
Segundo o Ministério de Meio Ambiente (MMA), um dos ógãos integrantes da CNPCT, a intenção é incluir o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011, que estabelece a previsão orçamentária do governo federal durante o período. Isso comprometeria verbas para a execução do Plano, fazendo dele uma prioridade de Estado e não apenas desta gestão. "É muito mais difícil acabar com todo um programa do que acabar com uma ação isolada", defende Teresa Moreira, assessora técnica do MMA e coordenadora técnica da secretaria executiva da CNPCT.

Para Teresa, a não inclusão do Plano no PPA tornaria a execução das metas mais difícil, por falta de verbas. "É possível alcançar alguns objetivos apenas com o que já é feito, juntando as ações pulverizadas e estudando a aplicação específica de programas sociais genéricos já existentes", expõe. "Mas o ideal seria todo um programa, com compromissos de diversos ministérios e secretarias."

Divisão do bolo

Cigana kalon nômade, em Franco da Rocha (SP). Comunidade quer reconhecimento e infraestrutura (Foto: arquivo pessoal Márcia Yáskara)

Algumas comunidades tradicionais têm mais visibilidade e já recebem apoio, como indígenas e quilombolas. Os indígenas, por exemplo, são atendidos por uma política específica de saúde. Entretanto, populações ciganas, caiçaras, ribeirinhas, geraizeiras (habitantes do sertão), pantaneiras e quebradeiras de côco, entre outras, contam com menos atenção do poder público – e por isso depositam mais esperança no futuro Plano.

Segundo Teresa Moreira, o foco na construção do Plano serão as demandas mais recorrentes e urgentes e não será priorizado nenhum grupo. Ela informa que não aparecem na Política diretrizes relacionadas a comunidades específicas, com exceção de uma referente aos ciganos, relacionada ao fornecimento de infraestrutura para as suas comunidades. "A aplicação e a discussão das prioridades será uma negociação entre as partes governamental e não-governamental da Comissão", complementa.

Para Dáda, do MIQCB, no entanto, o segmento que estiver mais organizado vai conseguir mais coisas. "Cada segmento que está na Comissão vai estar voltado para a elaboração do seu próprio plano. O governo já tinha política para os quilombolas e indígenas. As outras comunidades que entraram agora estão buscando uma organização para poder fazer parte dessa Política", descreve. "É como se fosse a partilha de um bolo: quem está mais próximo de quem corta leva o melhor pedaço".

Veja o decreto na íntegra

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