Cinema

“À Margem do Concreto” mergulha no universo da luta por moradia

Documentário, que estréia no dia 2 de março, acompanha lideranças dos movimentos de moradia e expõe as dificuldades e conquistas nas ações de ocupação em São Paulo
Por Beatriz Camargo
 19/02/2007
"À Margem do Concreto" contrapõe o direito à propriedade e o interesse social da habitação (Fotos: Divulgação)

Está previsto para 4 de março o despejo das 468 famílias que vivem no edifício Prestes Maia (região central de São Paulo), conhecido como a maior ocupação vertical da América Latina. Dois dias antes, estréia na capital paulista e no Rio de Janeiro (RJ) o documentário "À Margem do Concreto", do diretor Evaldo Mocarzel, que mostra o mundo dos que lutam pelo direito constitucional à moradia digna.

A equipe do diretor acompanhou as ações de militantes sem-teto, contou sua história e mostrou onde vivem. Também revelou o dia-a-dia incerto – mas muito organizado – nas ocupações: o revezamento dos próprios moradores na portaria do prédio e limpeza, e como são resolvidos os problemas de convivência. "Eu aprendi muito fazendo esse filme, porque o documentário permite um mergulho em uma realidade que não é a sua. Numa cidade como São Paulo, as pessoas não param para ouvir história de vida de um sem-teto", descreve Evaldo.

O documentário dá voz a pessoas diferentes que, por vias diversas, entraram para o movimento de moradia. Dessa forma, tenta humanizar a visão sobre essa reivindicação popular, que muitas vezes é taxada como "ação de invasores e baderneiros" pela mídia. "Eles desafiam o direito à propriedade mas trazem para a discussão o valor social da habitação", relativisa Evaldo. O que se vê na tela é um movimento organizado e engajado politicamente, "uma ocupação que troca figurinhas com a Argentina e outros países com problemas parecidos… Isso a gente não fica sabendo".

A militante Verônica Kroll, por exemplo, como grande parte dos entrevistados, trabalhava na roça e veio para a capital paulista seguindo o sonho da cidade grande. Hoje, é uma das dirigentes do Fórum dos Cortiços e integra a luta do que estão fazendo justiça social com as próprias mãos. "Por que a imprensa não diz que existe o artigo 6º da Constituição, que garante o direito à moradia?", pergunta, indignada, no filme.

O militante Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do Movimento de Moradia do Centro (MMC)

Balança
Segundo a última estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000 São Paulo tinha um déficit de moradia de 203,4 mil unidades. Na outra ponta havia, de acordo com a Fundação João Pinheiro, cerca de 254 mil unidades vazias na cidade – o suficiente para abrigar todos os sem-tetos da cidade. Hoje, segundo os movimentos de luta por moradia, o déficit está em cerca de 400 mil, o número de imóveis desocupados também cresceu de forma equivalente.

"O poder público e o poder judiciário preferem colocar as famílias na rua do que fazer um projeto social num prédio que vai ficar vazio", critica o diretor, em referência ao edifício Prestes Maia, ocupado desde 2001, que mais uma vez está ameaçado de despejo.

O documentário registra as derrotas em ações mal sucedidas do movimento, com direito à correria da Polícia e bombas de gás, inclusive sobre idosos e crianças. Mas a câmera também capta suas conquistas, mostrando pessoas felizes por ter conseguido sua casa, como acontece no edifício Maria Paula e no Hotel São Paulo, que tem até creche.

Reconhecimento
"À Margem do Concreto" é a segunda produção audiovisual da tetralogia que pretende traçar um panorama das estratégias de sobrevivências dos excluídos da cidade de São Paulo. O primeiro filme da série é "À Margem da Imagem", que ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival de Gramado 2003. "À Margem do Lixo", sobre catadores de papel e outros materiais, deve ser filmado neste ano. O último será "À Margem do Consumo", que aborda o tema do ponto de vista de moradores de uma favela paulistana.

Evaldo Mocarzel filmou "À Margem do Concreto" em 2002 com verba do Fundo de Documentários do Sundance Festival. O filme ganhou prêmio do público, prêmio especial de júri e de melhor som no Festival de Brasília de Cinema Brasileiro 2005 e melhor documentário (prêmio Ocic/Signis) na Jornada Internacional da Bahia 2006. Também foi considerado melhor documentário no Festival do Rio 2006 e no Festival Direitos Humanos da América Latina e Caribe 2006. Faturou ainda o prêmio de melhor longa-metragem documentário no 3º Festival de Belém do Cinema Brasileiro. Para o diretor, "o filme teve semeadura ampla porque esse mundo tem falta de informação humanizada".

Além dos dois "à margem", Evaldo Mocarzel dirigiu o documentário "Mensageiras da luz", em 2004, que acompanha as parteiras tradicionais no Estado do Amapá, e em 2005 finalizou "Do luto à luta", sobre a índrome de down.

Ficha Técnica:

À Margem do Concreto. Brasil. Documentário. 2006. 35mm. 84'
Diretor: Evaldo Mocarzel
Produção Executiva: Zita Carvalhosa
Direção de Fotografia: Jorge Bodanzky
Roteiro: Evaldo Mocarzel e Marcelo Moraes
Montagem: Marcelo Moraes
Coordenação da Pesquisa e Consultoria: Cristiane Benedetto
Distribuição: Mais Filmes

À Margem do Concreto. Brasil. Documentário. 2006. 35mm. 84'
Diretor: Evaldo Mocarzel
Produção Executiva: Zita Carvalhosa
Direção de Fotografia: Jorge Bodanzky
Roteiro: Evaldo Mocarzel e Marcelo Moraes
Montagem: Marcelo Moraes
Coordenação da Pesquisa e Consultoria: Cristiane Benedetto
Distribuição: Mais Filmes

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