Terras sem lei

Municípios mais violentos coincidem com os campeões em trabalho escravo

Relatório mostra que arco do desmatamento na Amazônia concentra municípios com maior índice de homicídios por habitante; região também é o maior foco de trabalho escravo
Por Iberê Thenório
 28/02/2007

A Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) divulgou, nesta terça-feira (27), um relatório que ranqueou os municípios brasileiros pela incidência de homicídios em relação ao número de habitantes. Sua primeira grande constatação foi que a violência têm se espalhado pelo interior do país. Mais do que isso, ela se concentra especialmente nos municípios localizados sob o arco do desflorestamento amazônico e em áreas de expansão agrícola, no Norte do Mato Grosso e no Sul e Sudeste do Pará – justamente as áreas campeãs em casos de trabalho escravo.

A grande mancha de violência que se espalha pelas bordas da Amazônia Legal (veja mapa abaixo) abarca os dois estados que historicamente mais concentram casos de mão-de-obra análoga à escravidão. De 1995 a 2006, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram libertadas 4.553 pessoas no Mato Grosso e 8.177 no Pará, o que representa 56,8% dos casos brasileiros. Apenas em 2006, 444 pessoas ganharam a liberdade no Mato Grosso, enquanto no Pará foram 1.180 trabalhadores.

Regiões brasileiras com maior taxa de homicídos
(número de homicídios a cada 100 mil habitantes entre 2002 e 2004)

Fonte: Organização dos Estados Ibero-Americanos

A grilagem de terras, o desmatamento ilegal e a pressão do agronegócio por mais terras somados à fraca atuação do Estado são geralmente apontados como os principais ingredientes para que a violência prolifere na região.

Mesmo analisando separadamente os municípios mais violentos constata-se coincidência com os casos de escravidão. Entre os cem mais violentos do Brasil, em pelo menos 15 já foi encontrado trabalho escravo. Essas cidades estão concentradas em quatro estados: Mato Grosso, Pará, Roraima e São Paulo.

Municípios que estão entre os 100 mais violentos do Brasil nos quais já foi encontrado trabalho escravo
(Colocação entre os municípios mais violentos do país e índice de homicídos a cada 100 mil habitantes entre 2002 e 2004)

Colocação Município
Taxa de homicídios

Tailândia (PA)
104,9
38º Chupinguaia (RO)
72,4
39º Marabá (PA)
71,0
42º Iaras (SP)
70,0
44º Sapucaia (PA)
69,4
55º São Francisco do Guaporé (RO)
66,6
56º Nova Ubiratã (MT)
66,4
58º Nova Bandeirantes (MT)
65,5
59º Novo Mundo (MT)
65,2
63º Tapurah (MT)
64,8
65º Brejo Grande do Araguaia (PA)
64,2
66º Brasnorte (MT)
64,1
72º Rondon do Pará (PA)
62,7
78º Parauapebas (PA)

61,8

79º

Novo Repartimento (PA)
61,7
107º Rio de Janeiro (RJ) *
57,2
182º São Paulo (SP) *
48,2

* São Paulo e Rio de Janeiro constam na lista para efeitos de comparação. Fonte: Organização dos Estados Ibero-Americanos (índice de homicídios) e Ministério do Trabalho e Emprego (municípios onde houve libertações)

O relatório da OEI revela que a taxa de homicídios por habitantes dessas 15 cidades ultrapassa a de grandes metrópoles brasileiras. Marabá, no Sudeste do Pará, é uma das campeãs brasileiras de trabalhadores libertados, com 60 casos de trabalho escravo e 363 libertados entre 1969 e 2005, também segundo a CPT. Ao mesmo tempo, a cidade é uma das mais perigosas do país, registrando 71 homicídios a cada 100 mil habitantes no período medido pela OEI. Cidades conhecidas mundialmente por seus casos de violência, como São Paulo e Rio de Janeiro, registraram 48,2 e 57,2 homicídios, respectivamente.

A pesquisa da OEI foi realizada com base nos registros de óbitos do Ministério da Saúde. O cálculo da média de homicídios considera as mortes ocorridas entre 2002 e 2004, e a população dos municípios nessa época.

Leia o artigo de Leonardo Sakamoto sobre a violência na Amazônia

Leia a íntegra do relatório da Organização dos Estados Ibero-Americanos

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