Ariovaldo Umbelino de Oliveira*
Em nota oficial divulgada em 30/01/2007, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirmaram que "garantiram nos últimos quatro anos o assentamento de 381.419 famílias. A área destinada à Reforma Agrária e o número de famílias assentadas de 2003 a 2006 representa o melhor desempenho da história do Incra, em seus 36 anos de atuação … Somente em 2006, foram assentadas 136.358 famílias … criando condições para o cumprimento das metas de assentamento definidas no II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA)."
Entretanto, já é do conhecimento público, a informação de que os dados divulgados precisam ser explicados, pois não correspondem a novos assentamentos. O que o MDA/Incra está dizendo é que os dados divulgados referem-se à totalidade das ações destes órgãos nas onze metas que compõem o II PNRA. No entanto, o que a mídia tem divulgado é que o "total de assentados atingiu 95% da meta". Ou seja, fica parecendo que o MDA/Incra cumpriu a Meta 1 do II PNRA, que se refere ao assentamento das 400 mil famílias entre 2003 e 2006. Isto não é verdade, porque os dados referentes aos novos assentamentos em 2006 não foram divulgados separadamente daqueles referentes às demais metas.
Além disso, se for somado à Meta 1 – novos assentamentos, a Meta 2 – regularização fundiária, nos quatro anos do primeiro mandato do governo Lula, deveriam ter sido assentadas 900.000 famílias, entretanto, alcançou-se apenas 42% da meta proposta.
O que está ocorrendo é que mesmo sabendo que as metas eram distintas, o governo preferiu seguir a orientação vinda dos técnicos do Incra desde os tempos do governo FHC, ou seja, divulgar o dado total obtido através da relação de beneficiários, as famosas RBs. Este dado total redunda da somatória de todas as metas.
Assim, a mídia vai repetindo os números divulgados oficialmente e são eles que ficam na memória coletiva da população como se de fato o governo tivesse feito os assentamentos. Pior do que isso, o MDA/Incra passou a faltar com a verdade, pois, NÃO ESTÁ CUMPRINDO AS METAS DOS ASSENTAMENTOS NOVOS, por exemplo, quanto se analisa os dados de 2003, 2004 e 2005, o MDA/Incra anunciou ter assentado 245.061 famílias. Mas, a reclassificação desses dados permite chegar-se aos seguintes resultados:
– reforma agrária – Meta 01 do II PNRA (Assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e retomada de terras públicas griladas) – foram assentadas apenas 79.298 famílias;
– regularização fundiária (Reconhecimento do direito das famílias – populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores posseiros, etc. – já existentes nas áreas objeto da ação (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc) – foram assentadas 39.221 famílias;
– reassentamentos fundiários de famílias atingidas por barragens (proprietárias ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionárias e/ou privadas) – assentaram 1.670 famílias;
– reordenação fundiária (substituição e/ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes) – envolveram 124.872 famílias.
Assim, os movimentos sociais saíram enganados das reuniões de acompanhamento onde sempre ouviram o discurso de que a reforma agrária seria feita. Mas, os grandes derrotados foram os camponeses em geral e com eles uma parte da sociedade brasileira, que permanece na esperança de que um dia, a dívida social da reforma agrária seja verdadeiramente paga.
(*) Professor da Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera. É autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997)