O Congresso Nacional acaba de receber mais um membro da "lista suja" do trabalho escravo. Augusto César Farias (PTB-AL), irmão de PC Farias – tesoureiro da campanha de Collor à presidência – assumiu o cargo de deputado federal nesta terça-feira (13) após a morte de seu colega Gerônimo da Adefal (PFL-AL), que teve uma pneumonia e faleceu no último domingo (11). Como Augusto é o primeiro suplente da coligação que elegeu Gerônimo, tem direito ao cargo na Câmara.
Em fevereiro de 2003, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou 99 trabalhadores em situações análogas à escravidão na fazenda Santa Ana, em Cumaru do Norte (PA). O local pertencia a Augusto Farias e à sua irmã, Eleuza Farias Leôncio. Os dois chegaram a ser presos em Marabá (PA), mas conseguiram um habeas corpus e permaneceram apenas algumas horas na cadeia.
No final de 2004, a Santa Ana Agropecuária – empresa dos Faria que administrava a fazenda – entrou na "lista suja" do trabalho escravo, onde constam pessoas e empresas que comprovadamente cometeram esse crime. Quem figura na lista fica impedido de obter financiamentos de órgãos federais e de fazer negócios com as empresas que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Com a entrada na lista, a propriedade ficou impedida de sacar R$ 755 mil de financiamentos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Até a fiscalização, a fezanda já tinha recebido R$ 852 mil do órgão.
A empresa de Augusto Farias deveria ter deixado a "lista suja" no final de 2006, quando o nome completaria dois anos no cadastro. No entanto, isso não ocorreu porque até hoje não foram pagas todas as multas impostas na época da fiscalização.
Augusto Farias, sua irmã e mais cinco envolvidos no episódio da Fazenda Santa Ana também respondem na Justiça Federal pelos crimes de redução de pessoas a condição análoga à de escravo, contra a liberdade individual, frustração de direitos trabalhistas e sonegação de contribuição previdenciária. Como o cargo de deputado dá direito a foro privilegiado, Augusto só poderá ser julgado no Supremo Tribunal Federal enquanto atuar no Congresso.
Esta será a quarta legislatura de Augusto, que foi deputado federal de 1991 a 2000, quando renunciou ao mandato. Indiciado pela morte do irmão, PC Farias, tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor de Mello, e investigado pela CPI do Narcotráfico, ele deixou a Câmara para não ser cassado. O processo pela morte do irmão foi arquivado no STF a pedido do então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro.
Para voltar à Câmara, Augusto quebrou a praxe da casa e não esperou os sete dias após a morte do colega para tomar posse. No dia seguinte ao enterro de Gerônimo, já assumiu sua vaga. O deputado não foi encontrado pela reportagem para prestar esclarecimentos.
Abandono
Quando o grupo móvel chegou à fazenda Santa Ana, no início de 2003, não havia quase ninguém no local. A casa principal estava trancada e quase todos os trabalhadores haviam sido transportados para a cidade. "No primeiro dia, encontramos apenas uma pessoa que era imediata ao capataz. Eles não nos deram nenhum lugar para podermos acampar, e ficamos na varanda da casa", conta Valderez Monte, ex-auditora-fiscal do trabalho que chefiou a equipe de fiscalização.
Nos arredores da fazenda foram encontradas motosserras, cantinas, alojamentos precários de lona e dois trabalhadores que estavam escondidos a quilômetros de distância. Foi preciso emprestar uma chácara para reunir todas as pessoas que haviam sido retiradas do lugar. "Eles estavam abandonados na cidade. Mandaram eles irem para lá, mas não deram abrigos, não deram meios", lembra Valderez.
Parlamentares
Augusto não é o primeiro membro do Congresso que já esteve envolvido com trabalho escravo. Há outros exemplos, como o senador João Ribeiro (PR-TO), que teve seu nome incluído na "lista suja" por manter 38 pessoas em condições análogas à de escravo em sua fazenda Ouro Verde, no município de Piçarra, no Sul do Pará. O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) também já teve sua empresa listada no cadastro, após terem sido encontradas 39 pessoas em condições semelhantes na fazenda em São Felix do Araguaia (MT). Inocêncio de Oliveira (PR-PE), que é deputado federal desde 1975, fez parte da primeira edição da "lista suja". Em sua fazenda Caraíbas, no interior do Maranhão, foram libertadas 53 pessoas.