Após anos de debates públicos, o Ministério da Justiça (MJ) deve enviar ao Congresso Nacional ainda em 2007 um projeto de lei para substituir a Lei de Estrangeiros atualmente em vigor no país. É o que afirma Izaura Miranda, diretora do Departamento de Estrangeiros do MJ e presidente da comissão interministerial criada para discutir a nova legislação. "Acredito que, com mais uma reunião da comissão, será finalizado o texto do projeto", revela. "Possivelmente, ele será apresentado ainda em meados deste ano."
Em setembro de 2005, o MJ já havia colocado para consulta pública uma versão preliminar da nova Lei de Estrangeiros. Após receber diversas críticas e sugestões, no entanto, ela foi recolhida e passa hoje por reformulação. Um dos pontos mais polêmicos diz respeito justamente às condições para permanência de trabalhadores estrangeiros no país.
O anteprojeto apresentado para consulta pública pelo Ministério da Justiça elencava diversas categorias de visto temporário voltadas a profissionais identificados como mão-de-obra qualificada – como, por exemplo, executivos, jornalistas e pesquisadores. A falta de mecanismos semelhantes para a regularização de outras categorias profissionais é criticada por Rosita Milesi, presidente do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). "Trabalhadores considerados mão-de-obra não-qualificada não têm espaço para conseguir um visto de trabalho", afirma.
Rosita fez parte de um grupo de estudos, coordenado pelo IDMH e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que propôs uma série de modificações ao anteprojeto. Entre elas, um artigo que prevê a concessão de visto temporário aos trabalhadores que comprovem realização de qualquer atividade lícita.
"Apóio essa idéia, creio que isso pode ser viabilizado ao menos no âmbito do Mercosul", diz Nilton Freitas, presidente do Conselho Nacional de Migração – órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e incumbido, entre outras coisas, de estabelecer normas para seleção de imigrantes. Para ele, abrir essa possibilidade pode impulsionar a formalização de empreendimentos como as oficinas de tecelagem onde muitos bolivianos e outros latino-americanos trabalham. "Ao formalizar a atividade podemos, conseqüentemente, também formalizar o trabalho."
Nilton acredita, no entanto, que é natural um país adotar um processo seletivo de acordo com as suas necessidades de mão-de-obra. "Vários países fazem isso, é algo muito difícil de se contrapor", defende. A diretora do Departamento de Estrangeiros do MJ, por sua vez, destaca que existem possibilidades para concessão de visto a trabalhadores de atividades consideradas menos qualificadas. "Temos no Brasil, por exemplo, autorizações para bombeiros hidráulicos imigrantes", afirma. "Tudo depende da região do país e da carência de mão-de-obra lá encontrada."
Lei retrógrada
Sancionada em 1980, a Lei de Estrangeiros atualmente em vigor é considerada ultrapassada por órgãos governamentais e organizações da sociedade civil. Sua criação, durante a ditadura militar, foi norteada fundamentalmente por princípios relacionados à segurança nacional – uma conjuntura que motivou a imposição de diversas restrições aos direitos e à regularização dos imigrantes no Brasil.
Segundo a lei, por exemplo, é vedado aos estrangeiros participar da administração ou representação de sindicatos. Também são restritas as possibilidades para imigrantes obterem vistos de permanência no Brasil. "Não condiz com a Constituição atual manter esse elenco de restrições tão fortes", afirma Rosita.
A existência de uma Lei de Estrangeiros que criminaliza o imigrante é, segundo Roberval Freire, membro do Serviço Pastoral do Migrante, um empecilho para que os estrangeiros em situação irregular denunciem situações de violação dos direitos humanos. Exemplos típicos são os casos de trabalho degradante e escravo a que muitos imigrantes ficam submetidos em oficinas de tecelagem de bairros centrais na capital paulista, como Brás, Bom Retiro e Pari.
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A feira dominical da Kantuta, no Pari – próxima às oficinas de tecelagem – reúne muitos bolivianos residentes em São Paulo (Foto: Alcimar Frazão) |
Trazidos à cidade por intermediários conhecidos como "gatos" ou "coyotes", esses imigrantes muitas vezes são obrigados a trabalhar durante meses para pagar os custos da viagem. Freqüentemente, enfrentam jornadas de trabalho abusivas, que chegam a mais de 16 horas, além de terem seus passaportes retidos, enfrentando inclusive ameaças de denúncia à polícia caso o imigrante não cumpra as exigências do intermediário.
"Existe entre eles um medo antigo de serem deportados caso denunciem situações de abuso", conta Roberval. Tal conjuntura, segundo ele, tem inclusive impedido muitos bolivianos de serem beneficiados pelo acordo bilateral Brasil-Bolívia, que permite a regularização dos imigrantes daquele país que entraram no Brasil antes de 15 de agosto de 2005. "Muitos não foram beneficiados por falta de informação ou mesmo por controle no trabalho. Há patrões que criam empecilhos para o registro do imigrante".
De acordo com Izaura, cerca de 35 mil bolivianos já foram beneficiados pelo acordo Brasil-Bolívia, num universo estimado de aproximadamente 60 mil imigrantes não-documentados. Os pedidos de regularização, que devem ser feitos até 13 de setembro de 2007, devem ser apresentados à Polícia Federal. A lista de documentos e exigências requeridos pode ser acessada no site do MTE.