Prioridade de governo

Governador de Sergipe assina compromisso contra escravidão

Marcelo Déda assinou nesta quinta documento se comprometendo a tratar o combate à escravidão como prioridade do seu governo. Ele também defendeu o veto de Lula à emenda que dificulta a erradicação desse tipo de crime
Da Repórter Brasil
 15/03/2007
Marcelo Déda defendeu o veto à emenda nº 3 durante assinatura da carta-compromisso (foto: Márcio Dantas/ASN)

O governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), assinou, nesta quinta-feira (15), em Aracaju, a Carta-compromisso contra o trabalho escravo. No documento, o governador se compromete a colocar a erradicação da escravidão no país como uma das prioridades de seu mandato.

A campanha pela assinatura da Carta-compromisso foi lançada pela Repórter Brasil para as eleições de 2006. Foi solicitado aos candidatos ao cargo de presidente da República e aos de governadores dos Estados com altos índices de ocorrência desse crime que ratificassem um compromisso público pela sua erradicação.

Apesar do Sergipe não registrar casos de trabalho escravo, a chefe da Delegacia Regional do Trabalho de Aracaju, Lourdes de Almeida Neves, conta que o estado tem um grande problema de informalidade no campo, muitas vezes acompanhada de trabalho precário e degradante. "Há muitas pessoas sem emprego, que acabam fazendo bicos na área rural", diz ela.

Além disso, como em outros estados da região Nordeste, sofre da mesma migração de trabalhadores – que, devido à falta de opções de emprego, renda e terra, têm que deixar suas casas para garantir o sustento da família. Como conseqüência dessa migração, pessoas são exploradas e enganadas em fazendas, seja no corte da cana, seja na criação do gado, ou nas lavouras de soja e algodão. No limite, podem se tornar escravos.

Durante o evento em que assinou o documento, Déda defendeu o veto de Lula à emenda nº 3. Embutida no projeto de lei que cria a Super Receita, a emenda impede auditores fiscais de apontar vínculos empregatícios entre patrões e funcionários quando forem encontradas irregularidades. Só a Justiça do Trabalho, de acordo com o texto, poderia estabelecer tais vínculos.

A aprovação da emenda trará grandes prejuízos ao combate do trabalho escravo no Brasil. Caso aprovada, ela impedirá os auditores fiscais de aplicar multas aos escravagistas e de obrigar o empregador a recolher os direitos trabalhistas das pessoas reduzidas à condição de escravos. O texto da emenda aguarda a aprovação do presidente Lula para entrar em vigor.

Estiveram presentes no evento de assinatura da carta Tarcísio Bastos Cunha, da Secretária de Relações Institucionais da Presidência da República, e Patrícia Audi, da Organização Internacional do Trabalho, representando a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

Compriomisso de campanha
Quatro governadores eleitos chegaram a assinar a carta ainda em campanha: Ana Júlia Carepa (PA), Jackson Lago (MA), Jaques Wagner (BA) e Wellington Dias (PI). O presidente Lula, apesar de não ter assinado a carta, enviou seu próprio documento explicando como daria continuidade ao combate ao trabalho escravo.

Nenhum dos candidatos ao Congresso Nacional signatários da Carta-compromisso chegaram a conquistar uma vaga no Senado ou na Câmara. Da mesma forma, os postulantes às Assembléias Legislativas que assinaram o documento também não foram eleitos.

As cartas dos quatro governadores que assinaram durante as eleições e o documento enviado por Luiz Inácio Lula da Silva estão disponíveis para consulta na redação da Repórter Brasil. A carta original de Marcelo Déda também será disponibilizada, já a partir desta semana.

Os membros da Conatrae estão dando visibilidade, através da mídia nacional e internacional, aos compromissos assumidos que são colocados em prática, como é o caso das leis recentemente sancionadas pelo governador Jackson Lago que contribuirão com o combate ao trabalho escravo.

Conheça a íntegra da carta-compromisso:

CARTA-COMPROMISSO CONTRA O TRABALHO ESCRAVO

Caros cidadãos,

Eu, Marcelo Déda Chagas, governador do Estado de Sergipe, firmo aqui o compromisso de atuar pela erradicação do trabalho escravo contemporâneo. Tendo em vista as aviltantes condições a que estão sujeitos milhares de brasileiros, despidos de todos os seus direitos e dignidade, tolhidos de sua liberdade de ir e vir e tratados como animais, desde já assumo o compromisso público de que esta será uma das prioridades do meu mandato.

Desde já, reconheço que há pelo menos 25 mil pessoas escravizadas trabalhando em fazendas do interior do país, número admitido pelo Estado brasileiro diante das Nações Unidas. Reconheço a gravidade do crime de redução de um ser humano à condição análoga à de escravo, previsto no Código Penal, bem como a importância dos tratados internacionais assinados pelo Brasil que condenam a prática. Reconheço também a legitimidade da "lista suja" do trabalho escravo, instrumento criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego que relaciona os proprietários rurais flagrados aprisionando trabalhadores, e tem sido um importante mecanismo de combate a esse crime através da restrição ao crédito.

Prometo que não deixarei que os interesses dos grupos econômicos que doaram recursos para a minha campanha influenciem em minhas decisões no sentido de aprovar leis ou implementar ações necessárias para erradicar o trabalho escravo.

Asseguro que renunciarei ao meu mandato se for encontrado trabalho escravo em minhas propriedades ou ficar comprovado que alguma vez já me utilizei desse expediente no trato com meus funcionários e empregados. E que será prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão-de-obra.

Ao mesmo tempo, prometo não promover as mercadorias brasileiras, seja dentro ou fora do país, que tenham sido produzidas com mão-de-obra escrava ou infantil. Pois considero ilegal e imoral todo o negócio agropecuário que extrai ganho econômico do sofrimento alheio.

No meu mandato, me engajarei na articulação política pela aprovação de leis que estão tramitando no Congresso Nacional e, uma vez sancionadas, contribuiriam para a erradicação desse crime – como a proposta de emenda constitucional 438 que prevê o confisco para a reforma agrária das terras em que trabalho escravo for encontrado. Da mesma forma, trabalharei para destinar mais recursos financeiros e humanos aos órgãos governamentais que atuam na libertação de pessoas e na investigação e denúncia de criminosos.

Repudio toda e qualquer ameaça feita contra defensores dos direitos humanos, líderes sindicalistas e movimentos sociais que atuam no combate à escravidão e na defesa dos trabalhadores rurais.

Irei atuar firmemente por uma reforma agrária real, que garanta condiç
ões para que o lavrador permaneça em sua terra natal, ao lado de sua família, e não seja obrigado a migrar constantemente em busca de mínimas condições de vida. Uma reforma agrária que não sirva apenas para juntar mão-de-obra em um mesmo lugar, facilitando o desenvolvimento de grandes empreendimentos rurais, mas que dê oportunidades e impeça homens, mulheres e crianças de serem aliciadas para o trabalho escravo.

Sem mais, subscrevo-me.

Aracaju, 15 de março de 2007

Marcelo Déda Chagas
Governador do Estado de Sergipe

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