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Irmã Leonora luta pela terra em meio a violência recorde

Integrante da Comissão Pastoral da Terra no Norte do mato-grosso descreve o cotidiano de militância numa das áreas mais tensas do país. E faz da resistência uma profissão de fé: “Se eu desistir, muita gente ficará indefesa”.

Irmã Leonora Brunetto, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Alta Floresta, Mato Grosso, conhece de perto a realidade por trás do estudo publicado no último dia 27 de fevereiro, pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), que hierarquiza os municípios brasileiros segundo seus índices de homicídios.

Nascida no Rio Grande do Sul, hoje, aos 61 anos, é ela a responsável pelo trabalho da CPT nas cidades de Colniza, líder do ranking, e diversas outras do Norte mato-grossense, que figura como uma das regiões mais violentas de todo o país.

Evitando falar de seu telefone celular – que estaria grampeado por fazendeiros da região avessos a sua militância – ela encontra justificativa para os altos índices de homicídios na área na omissão do Estado, especialmente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e na concentração fundiária. E, entre ameaças e intimidações, faz sua parte na busca pelo fim da violência no campo.

Em sua trajetória de luta, nem obstáculos como o latifundiário Sebastião Neves de Almeida, conhecido como "Chapéu Preto", que ganhou fama internacional devido às acusações de crimes como grilagem e uso de mão-de-obra escrava, têm sido capazes de detê-la. Serena, ela explica sua resistência: "A gente vai tocando, porque eles não têm mais força do que quem está me defendendo".
Desde 2003, irmã Leonora acompanha as 350 famílias do acampamento Renascer, cujas terras estão em nome de Neves, e que já foi palco de diversos confrontos, levando inclusive à morte de trabalhadores rurais.

Repórter Brasil – A senhora recebe com surpresa o estudo que aponta essa região como uma das mais violentas do país ou isso já era conhecido de longa data?
Irmã Leonora Brunetto – A gente não tinha um levantamento, mas eu sempre falei que achava que aqui é muito pior do que pensam, e talvez muito pior do que o Pará, porque aqui, pelo fato de o Estado ter sido ausente, e por não haver movimentos junto a esse povo, foram feitas barbaridades. E elas continuam, porque somos uma força pequena. Não é qualquer um que tem coragem de enfrentar isso. Já há uma boa parte da população que nos apóia, mas essa região é terrível.

Falou na ausência do Estado… Que outras variáveis poderia colocar como responsáveis pelos altos índices de violência?
O projeto local de colonização traz o pequeno agricultor para ser usado e, assim que ele não for mais útil, o leva embora. Isso massacrou nossos trabalhadores, que vieram, trabalharam nas madeireiras e ficaram sem nada. Na verdade, foram usados. Foi um projeto planejado para uma economia de poucos. Isso também é um fator de violência muito grande…

A concentração de renda e de poder?
Sim. A CPT Nacional quer dar mais força aqui. É uma região que realmente precisa desse auxílio.

Um estudo como esse, visto a distância, transmite a frieza dos números, mas não dá a dimensão de como isso se manifesta no dia-a-dia. Como aparece essa violência no cotidiano?
Em Marcelândia, que está próxima de Colniza, e também daqui, a violência contra o pequeno agricultor no campo está muito grande. Colniza aparece como campeã porque lá até existe o trabalhador que começa a gritar, mas há uma surdina, em que ninguém percebe nada, não se consegue levantar reivindicações.

Contou que seu telefone está grampeado. Ele está sendo rastreado pela Polícia Federal (PF) por conta das ameaças?
Estava sendo rastreado pela PF, mas agora não mais. Agora, é pelos fazendeiros.

Mas o autor das ameaças continua sendo o "Chapéu Preto" ou você tem sido alvo de outras pessoas, recentemente?
As recentes são de novos inimigos. É uma equipe, a mesma que está ameaçando o bispo do Pará (Dom Erwin Kräutler), a mesma que matou Dorothy (Stang). É uma associação de fazendeiros, que estão todos unidos a esses nossos.

Quando foi a última ameaça que recebeu deles?
Em novembro. Mas, em minha casa, estão chegando pessoas à noite, batem na porta, reviram coisas que estão lá fora. São sinais que já faz 15 dias que estão acontecendo. A gente sabe que são eles, para nos amedrontar.

E essa tática está dando certo?
A gente vai tocando, porque eles não têm mais força do que quem está me defendendo.

Mas você não tem receio de que possa acontecer algo mais trágico? Não tem vontade de desistir da luta para evitar algo mais sério?
Não, porque, se eu o fizer, vai ter muita gente que não terá ninguém para defendê-los. Mas, claro que há momentos em que a gente fica apreensiva. Não tanto com medo, mas sabemos que todos nós queremos a vida, não a morte. Mas, se for em favor da população, não me importa, porque sei que a vida é passageira e uma hora ou outra a gente tem que partir.

No fim de 2005, houve uma diligência do Incra e de uma comissão da Secretária Especial de Direitos Humanos para ouvir as pessoas no assentamento Renascer, em Nova Guarita. Houve algum desdobramento dessa visita?
Por vários meses, a gente ficou tranqüilo, ninguém mais mexeu conosco. Mas sabíamos que era um silêncio quase obrigatório, porque o delegado da PF falou para eles – fazendeiros: "Se vocês querem o bem de vocês, têm que cuidar da irmã, porque se acontecer alguma coisa com ela, serão vocês os culpados". Então, eles tiveram receio e pararam por aí. Agora, nós sabemos que o Incra tem muita culpa nisso também.

Por quê?
O órgão não toma decisões. Nós fizemos um assentamento na área do Sebastião Neves de Almeida e até hoje o Incra não veio com o oficial de justiça para retirar o caseiro e proibir o Sebastião de entrar na área. Ele continua entrando, com grande perigo para o nosso povo, ameaçando-os – e o caseiro também. Então, sabemos que o Incra tem culpa também, por ser muito lento.

Você já vivenciou casos de violência perto de Colniza ou considera que a tensão, em termos de agressões, pode ser até maior em Alta Floresta?
Em termos de agressões contra os trabalhadores que buscam acesso às terras, Colniza é pior. Agora, quanto a trabalho escravo, a região de Alta Floresta, Nova Bandeirante e Apiacás é pior.


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6 Comentários

  1. Juliana

    Ótima entrevista!!! Fiquei curiosa só pra saber a idade da irmã. Ela é brasileira? abs, Juliana

  2. Carmem

    A questão fundiária tem sido tratada pelo governo federal com uma covardia e um desrespeito extremo. Aqui do meu canto, fico pensando que o papel do governo seria o enfrentamento, sim. Em nome do direito à propriedade, esses grileiros, chamados fazendeiros, e mesmo os latifundiários que têm sua riqueza acumulada honestamente, porque a Constituição legitima a propriedade privada, a adquirem através da exploração do trabalhador. Então, Irmã Leonora tem razão: o Estado é ausente e omisso. Enquanto os titulares do Poder Executivo usufruem o conforto, porque diante da violência urbana e rural crescente, percebemos que ocupam esses cargos apenas para o próprio sucesso, assistimos à invasão de

  3. Carmem

    continuando o comentário…. invasão de terras e massacre do trabalhador sem terra e uma pergunta que não quer calar: Irmã Dorothy, garanto que 99,9% dos brasileiros não sabiam da existência. E Irmã Leonora? Também terá que ser sacrificada? Também será notícia na mídia apenas após seu sacrifício? Gente! É preciso dar voz aos que não a têm….e é assim que o Brasil trata seus líderes? Olha. Vou levar esta entrevista pros meus alunos. Vamos discutir isso. Sei que é apenas uma gota no oceano.

  4. Danúbia Rodrigues

    É absurda esta situação em que se encontra o norte do Brasil, nas mãos de quadrilhas que estão dispostas a tudo. Mais uma vez o governo não toma as providências cabíveis e a sociedade civil tem que se organizaer, ficando a mercê destes assassinos!!

  5. DARIO L P DE AZEVEDO

    THEODORE ROOSEVELT observou"O povo da floresta obtém alguma caça na mata e peixes nos rios. Não há entre eles, representante do governo.A igreja os tem ignorado tanto quanto a nação. ´Só tem o direito de posse sobre as terras, sempre arriscados a serem expulsos por magnatassem escrúpulos, que chegam depois mas trazem documentos legalmente perfeitos. As leis deveriam conceder a cada um desses pioneiros do povoamento da Amazônia a terra que ocupam, onde cultivam e onde criara os seus lares. O pequeno lavrador constitui em todos os paises do munco o maior elemento de força nacional" A expedição cientifica Roosevelt_Rondon durou de dezembro de 12/1913 a 05/1914. Triste constatação e previsão.

  6. SÍLVIO BEZERRA DA SILVA

    Li o comentário, e, fico feliz pela reportagem, pois, assim, vislumbro e requeiro neste mesmo instante o direito de entrevista, em se tratando de que o nome de meu cliente foi mencionado expressamente, e, o mesmo não foi procurado para se manifestar a respeito.E, pessoalmente já procurei, inclusive, Dom Tomás que é presidente nacional da CPT, e, mesmo assim, não obtive apoio para encontrar-me com a Sra. Leonora.Porquanto, até o Sr. presidente do INCRA, já manifestou interesse neste sentido. A entrevista traz observações que não correspondem com verdade jurídica e fática, considerando que o próprio advogado dos interesses da Sra. Leonora se encontra preso sob à acusação de roubo de gado.