A Associação das Siderúrgicas de Carajás (Asica) acaba de lançar um fundo com o intuito de tornar 11 siderúrgicas do Pólo Carajás, situado no Sudeste do Pará e no Oeste do Maranhão, auto-suficientes em carvão vegetal. O fundo já começa com US$ 6 milhões em caixa e, a cada tonelada de ferro-gusa exportada, US$ 3 serão destinados a ele. O dinheiro será utilizado em projetos de reflorestamento para fornecimento de carvão às usinas.
O novo projeto foi lançado em três capitais na última semana, Brasília (DF), São Luís (MA) e Belém (PA). Levando em conta as estimativas de exportação, a Asica prevê um ganho mensal para o Fundo Florestal de Carajás (FFC) de cerca de US$ 1,5 milhão. Com o dinheiro, o grupo pretende reflorestar 24 mil hectares a cada ano, considerando o custo de US$ 700 para cada hectare reflorestado. Em oito anos aproximadamente, a associação espera ter uma área de 250 mil hectares de reflorestamento, com cada empresa produzindo seu próprio carvão.
O otimismo em relação à iniciativa, no entanto, não é unânime. Para Maurílio de Abreu Monteiro, professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA) e secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do governo paraense, o dinheiro do FFC é insuficiente frente ao tamanho do dano ambiental causado na região pela atividade siderúrgica.
A discordância vem da base de cálculo considerada. Segundo Maurílio, o custo de reflorestamento de um hectare é de US$ 1.600, e não de US$ 700. Pela nova conta, os US$ 6 milhões já existentes no Fundo podem bancar apenas 3.750 hectares, e a capacidade de reflorestamento anual será a metade da meta prevista pela Asica, cerca de 11 mil hectares – mantendo a previsão de exportações dada pelas siderúrgicas. "Há um buraco entre a demanda delas e o que elas produzem", acredita Maurílio. "Falta transparência das siderúrgicas com a sociedade."
O professor considera ainda que essa falta de transparência está também no fato de as empresas não informarem a localização das áreas que perfazem 121 mil hectares já plantados pelas siderúrgicas que participam do FFC. De acordo com Nacib Hetti, funcionário da Asica e responsável pelo Fundo Florestal, as áreas têm diferentes dimensões, e estão nos estados Pará, Maranhão e Tocantins. "Eu só conheço um local. Se perguntarmos a localização exata das outras áreas, as siderúrgicas não informam", contesta Maurílio.
Embate
A associação das siderúrgicas assume que o dinheiro do Fundo pode não ser suficiente para o reflorestamento almejado. Para Nacib Hetti, o FFC é uma espécie de incentivo, já que a própria lei exige que as empresas sejam auto-suficientes em carvão depois de dez anos de funcionamento – antes disso, no entento, elas devem comprovar a origem de sua matéria-prima.
Quase metade das siderúrgicas associadas – principalmente as mais antigas, localizadas no Maranhão – já deveriam ser auto-suficientes em carvão. Para tentar adequá-las à legislação, está em negociação um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ambiental envolvendo essas indústrias, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério Público Federal.
José Humberto Chavez, coordenador geral de recursos florestais do Ibama, acredita que, a partir da análise do passivo ambiental – acúmulo histórico de prejuízos ao meio ambiente -, o TAC contemplará dois objetivos: encontrar uma maneira de sanar o estrago já feito e pensar o que deve ser feito daqui para frente.
Entretanto, Nacib defende que as siderúrgicas possam continuar usando carvão proveniente da derrubada de mata realizada por outras atividades produtivas – como pecuária ou cultivo de soja. Além disso, ele afirma que o reflorestamento do FFC será feito em áreas anteriormente devastadas. "Em vez de abrir novas fronteiras agrícolas, vamos recuperar áreas já degradadas", explica. "Em Minas Gerais, a recuperação ainda hoje é muito intensa."
Maurílio, por outro lado, afirma que o pólo siderúrgico de Minas Gerais é um exemplo negativo no uso da matéria-prima. "Depois de quase duas décadas de operação, os TACs mineiros foram feitos e refeitos e não foi atingido o abastecimento auto-suficiente."
Segundo a Asica, as suas 14 empresas associadas respondem atualmente por mais de 60% da exportação brasileira de ferro-gusa, correspondente a cerca de 3,6 milhões de toneladas anuais, e a US$ 2 bilhões em divisas. Para o pesquisador e secretário estadual do Pará, a criação de um mercado de carvão vegetal tão significativo induz a demanda por essa matéria-prima e cria uma pressão adicional na floresta primária.
Dívida ambiental
A iniciativa do Fundo Florestal já vinha sendo anunciada pela Associação há algum tempo. As empresas do setor atravessam um momento difícil com relação aos danos causados ao meio ambiente na região. O Ibama, em conjunto com o Batalhão de Policiamento Ambiental, faz desde o dia 15 de fevereiro a "Operação Quaresma". Até agora, a entidade já inspecionou dez siderúrgicas e lacrou duas: a Ibérica, do Pará, que não tinha licença de operação, e a Cosipar, que estava com a licença vencida – mas está funcionando com um mandado de segurança.
A Ibérica é reincidente. Em 2006, foi multada em R$ 3 milhões por manter em depósito carvão vegetal sem comprovação de origem. O Ibama pediu que ela e a Cosipar forneçam certificados da produção de ferro-gusa, para calcular a porcentagem de carvão de desmatamento ilegal utilizado. Na mesma operação, foi apreendida uma quantidade de carvão vegetal suficiente para encher mais de dez carregamentos, além de sete caminhões das indústrias siderúrgicas Usimar e Sidenorte. Houve também o embargo de 40 fornos de carvoarias.
De 2000 a 2004, as indústrias de ferro-gusa do Maranhão usaram cerca de 2,4 milhões de metros cúbicos de carvão sem origem comprovada, segundo cálculos da equipe de fiscalização do Ibama. Já o Pará utilizou quase 5,4 milhões. O desmatamento não-autorizado fornece 57,5% da madeira que alimenta os fornos das carvoarias no Maranhão e no Pará, de acordo com estudos realizados por Maurílio Monteiro.
Em 2005, o total de autos de infração lavrados contras as usinas do Pólo Siderúrgico de Carajás correspondia a R$ 509 milhões. Segundo Jos&e
acute; Humberto, do Ibama, não há contudo como contabilizar em dinheiro o passivo ambiental. "É difícil calcular o tamanho do prejuízo. O passivo ambiental na verdade é muito maior do que apontam os autos de infração. Além de pagar essas multas, as siderúrgicas ainda têm que sanar o problema, fazendo a reparação de dano."
Situação trabalhista
Algumas siderúrgicas ainda enfrentam problemas com questões de trabalho, por comprarem carvão vegetal de carvoarias que utilizam mão-de-obra escrava. O Instituto Carvão Cidadão (ICC), criado em 2004, fiscaliza as 14 siderúrgicas associadas à Asica, além de seus fornecedores. Ele alerta sobre as irregularidades trabalhistas, fazendo um trabalho de prevenção, paralelo às fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego. Em fevereiro, o ICC descredenciou 156 produtores de carvão que não se adequaram às normas trabalhistas.
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