A Repórter Brasil está sob censura judicial desde o dia 9 de outubro de 2015. Saiba mais.

Comércio transatlântico: venda de roupas aliada a transformações culturais

Angolanas que chegam ao Brasil para comprar roupas, revendidas em seus países de origem, entram em contato com realidade política, social e econômica bastante diferente da vivenciada em seu país, que ficou 40 anos em guerra civil

Bairro central da capital paulista, o Brás é um lugar de migrantes, uma mistura de bolivianos, paraguaios, nordestinos, paulistanos, guinenses, libaneses e, também, de angolanos. Por onde quer que se ande, nas lojas, nas ruas, entre os camelôs, nos mercados, na feira da madrugada – um mercado aberto que começa às 3h30 da manhã -, nos hotéis ou nos restaurantes, a presença desses últimos é quase sempre notável, seja pelo colorido das roupas e o primor dos penteados das mulheres, nas vozes com sotaque que estão quase sempre a falar alto e, principalmente, comemorada pelos dólares que trazem do seu país natal. Alguns, geralmente estudantes, vivem em São Paulo. Mas a maioria está apenas de passagem.

Centenas de sacoleiras angolanas que quase diariamente atravessam o Atlântico e desembarcam em São Paulo à procura de produtos para serem revendidos em seu país de origem. Elas compram quantidades enormes, despachadas por transportadoras. O lucro obtido com a transação paga a passagem de avião, que custa mais de mil dólares, e ainda garante o sustento dessas mulheres.

Voltar a Angola para vender roupas brasileiras é uma das saídas para driblar a falta de emprego

O trajeto que as sacoleiras angolanas atualmente percorrem várias vezes por ano é uma rota histórica. Cinco séculos atrás, seus ancestrais fizeram o mesmo caminho a bordo de navios portugueses e chegaram ao Brasil na condição de escravos. Vinham oprimidos, maltratados, maltrapilhos. Bem diferente das sacoleiras hoje. Os recepcionistas dos hotéis as chamam pelos nomes, conhecem seus parentes que também já estiveram aqui a fazer compras e fazem de tudo para agradar. Os taxistas as esperam muito tempo na porta sem reclamar enquanto as angolanas se arrumam para sair. Os lojistas mandam seus vendedores buscarem as clientes na porta dos hotéis e lhes oferecem descontos a que brasileiros não têm direito. A dona de um hotel faz questão de hospedar suas melhores clientes na sua própria casa. O africano, que no passado veio ao Brasil na condição de escravo e historicamente sempre ocupou a incômoda condição de inferior e assistido, hoje é visto com outros olhos. Ele recebe toda a atenção.

Essa mudança começa por uma motivação econômica, mas tem resultados muito mais abrangentes. "Diferentemente do negro brasileiro, a angolana chega aqui sem conhecer seu passado como escrava, sem nunca ouvir que tem cabelo ruim, sem saber que está num país em que existe a idéia de ser feio por ser negro", afirma Abdu Ferraz, fundador da organização Liga dos Amigos e Estudantes Africanos (LAEA), que tem por objetivo assegurar a inclusão do negro na sociedade brasileira. "Ela não tem vergonha de ser negra, não precisa olhar para baixo ou arquear os ombros. Isso gera um impacto grande em quem lhe recebe", completa. "O brasileiro não está acostumado a enxergar o africano em condições iguais ou até superiores a ele. A presença das angolanas em São Paulo está começando a mudar esse cenário."

Do outro lado do oceano, as mudanças perpetuadas pela presença das sacoleiras no Brasil estão sendo igualmente profundas. Essas mulheres estão tendo contato constante com uma realidade completamente nova. Acostumadas ao comércio nas ruas, elas começam ver uma nova forma de organização econômica. Vivendo em um país que tem o mesmo presidente há 26 anos, elas entram em contato com debates políticos na televisão. Até pouco tempo atrás dependentes financeiramente de seus maridos, elas começam e ter seu próprio sustento e, com isso, podem atender melhor às suas próprias vontades. "O contato constante como Brasil faz com que elas, aos poucos, deixem de vender nas ruas e comecem a vender em suas casas. Depois, passarão a comprar manequins e montar pequenas vitrines e, um dia, montarão lojas. É um processo de aprendizado", opina Ferraz.

Algumas sacoleiras, apesar de terem um certo poder econômico para virem ao Brasil várias vezes por ano, não têm acesso a infra-estrutura básica. "A pobreza é muito relativa. Elas movimentam um dinheiro que permite comprar um chuveiro ou um gerador, mas elas não têm esses aparelhos em suas casas. E, quando vem ao Brasil, não levam, porque não têm essa lógica, essa cultura", afirma Ferraz. Mas, aos poucos, elas vão incorporando novos hábitos. "Quando elas vêm e ficam num quarto com chuveiro e ar condicionado, algum tempo depois ela também vai querer ter isso lá. E o vizinho dela vai ver o chuveiro e também vai desejar ter um chuveiro também. E, assim, devagar, a mudança vai se perpetuando", completa.

Para facilitar o contato entre as duas partes – as sacoleiras e as lojistas – há entre elas uma figura importante, cuja função é fazer o meio de campo: os guias. Eles geralmente também são estudantes angolanos que moram no Brasil e conhecem melhor os hábitos daqui. Os guias estão sempre atentos às novidades. Eles se encarregam de acertar a entrega das mercadorias no hotel, conhecem as lojas em que as suas conterrâneas preferem comprar e sabe negociar com os vendedores. "Mesmo as que vêm sempre ao Brasil gostam de pegar um guia porque estão num país estranho", diz o estudante de administração angolano Roni, de 26 anos, que está no Brasil há seis anos. "Atualmente, o que está mais vendendo é cabelo, que é usado para fazer penteados", Apesar de contar com auxílio financeiro da família, ele precisa encontrar maneiras de engordar o orçamento e o trabalho de guia é uma saída para isso.

Aqui no Brasil, Roni fez amizades com muitos libaneses e acabou se convertendo ao islamismo. A religião o ajuda a driblar a falta que seu país lhe faz. Seus olhos ensaiam ficar marejados quando ele fala da saudade da família, mas ele sabe que é melhor ficar até terminar a faculdade. Seu sonho é montar uma academia de ginástica em Angola, nos moldes das unidades das grandes redes brasileiras. "Estou tentando arrumar um sócio. Agora é a hora certa para investir. Com o fim da guerra, o país está crescendo demais", diz.

Com o fim da guerra civil, Angola voltou a receber investimentos estrangeiros, inclusive brasileiros, impulsionando sua economia

Roni está coberto de razão. Há quatro anos vivendo em paz, Angola voltou a receber altos investimentos estrangeiros e sua economia está se reaquecendo rapidamente. Luanda hoje se parece um canteiro de obras, de tantos empreendimentos que estão sendo erguidos. Um dos maiores está sendo feito pela a construtora brasileira Odebrecht – ainda em 2007, ela vai inaugurar o primeiro shopping center do país.

Angola oferece ótimas oportunidades de negócio e aqueles que souberem explorá-las agora serão beneficiados. São pessoas com uma mente mais empreendedora, como Roni, que ajudarão a promover uma profunda transformação no país. "A classe média angolana é formada por meninos que estudaram no exterior, tem graduação e mestrado e que estão hoje na faixa de 40 anos de idade. Eles têm acesso ao orçamento do estado, a linhas de financiamento e estão começando a instalar as primeiras fábricas angolanas próprias", analisa Ferraz. Depois que esse processo já estiver mais consolidado, ele provavelmente irá ameaçar uma atividade que, há séculos, se perpetua na África: o trabalho das sacoleiras.

Clique abaixo para ler outras partes da reportagem:

Parte I – A saga de mulheres africanas que cruzam o oceano para comprar roupas no Brasil
Parte II –  Das novelas brasileiras aos mercados populares da África

* Esta reportagem foi publicada em parceria com a revista Problemas Brasileiros


Apoie a Repórter Brasil

saiba como

17 Comentários

  1. giselle

    ola adorei asfotuus do sites mais
    gostaria muito que tivesse
    danças e musica s tipicas
    da angola
    que e importante sabermos e estou precisando

  2. Franciele

    Gostaria de obter maiores informações, estou no ramo de confecção e tenho muito interesse de vender pra Angola, peço orientação

  3. isabella rostock

    Muito interessante a matéria.
    Gostaria de receber mais informações sobre o mercado consumidor feminino em Luanda.
    Att. ,
    Isabella

  4. ludmila couto rabelo

    oi,gostaria de saber como funciona a exportaçao de roupas p Angola ,tenho muito interesse em vender vestidos em crepe artesanais lindissimos p as Africanas.no aguardo,ludmila

  5. nai

    tenho uma oficina de costura no bairro do bras tenho interesse de fabricar direto para os angolanos que vem fazer compra no bras tenho preço é qualidade em camisetas e roupas infantis pagarei comisao para o guia que me trouxer clientes.

  6. Carlos Cesar

    Olá,tenho fábrica de roupas em um dos maiores polos de moda do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis (POLO DE MODA DA RUA TERESA). Procuro compradores de angola,Luanda.

  7. Eliane

    Oportunidade procuramos compradores de modas em Angola e Luanda blusas, vestidos, macaquinhos e saias. Entre em contato no e-mail [email protected]

  8. Eufrasia

    Vendo saldos de roupas de confecções de santa catarina.Vendemos do bebê ao adulto feminino e masculino. Gostaria de receber contatos de sacoleiras angolanas.
    [email protected]

  9. triomoda

    boa tarde resido em portugal e queria vender revender jeans polos t´shirts blusas sais tenis sandalias de crianca senhora homem quem tiver interessado me contacte [email protected]

  10. roberto amaral

    olá,sou fabricante de calçados femininos e tenho muito interesse de vender para angola,a quem se interessa me contacte samrafaelcalç[email protected]

  11. Geraldino Gombe

    Oi Pessoal, sou Angolano, e verifiquei uma oportunidade de negócio na moda em Angola, tenho uma loja, e quero expandir o meu negocio e começar a trabalhar apenas por conta própria. Sei que brasil tem um fascinio por roupa e uma mão de obra qualificada, gostaria de comprar roupas para o brasil… por favor contactem-me os interessados o mais breve possível, estarei a vossa espera.

  12. Marcus

    ola sou fabricante no ramo jeans no brasil, mais especificamente no Bras em Sao Paulo.
    Gostaria de obter contatos com compradore angolanos, caso ha interesse, vafor entra em contato por e-mail.
    Madelos variados e preço bem acessivel.
    obrigado.

  13. Rodrigo Silva

    Morando no Brasil em S.Paulo, compro o que precisarem do mercado brasileiro e envio para Angola.
    Empresarios angolanos, de qualquer ramo de atividade estou a disposição para fazermos bons negócios

  14. cristina correira

    Ola estou interessa em espandir o meu negocio no Kwanza sul na area de venda de roupas brasileiras, como fasso para exportar a roupa e entrar em contanto com os fabricantes, o meu contacto é 922 573 279

  15. Rose

    Temos grande estoque de roupas e acessórios de pronta entrega em Niterói.
    Queremos oferecer nossos produtos aos compradores angolanos. Quem conhecer estes grupos de compras entre em contato conosco.