11 anos depois II

Incra promete destinar fazendas flagradas com escravos à reforma agrária

Área total soma 15.473 hectares, o suficiente para assentar mais de 300 famílias. Justificativa é que parte das terras são griladas, improdutivas ou não respeitam legislação trabalhista. Líder do MST diz que vai aguardar medidas concretas
Por Iberê Thenório
 18/04/2007

Três fazendas do Sul do Pará que já foram flagradas utilizando trabalho escravo vão ter parte de suas terras destinadas à reforma agrária. Essa foi a promessa do presidente do Incra, Rolf Hackbart, feita nesta terça-feira (17) durante ato que lembrou o assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA).

As propriedades são a fazenda Rio Vermelho, localizada no município de Sapucaia e pertencente à família Quagliato, a fazenda Peruano, em Eldorado dos Carajás, e a Castanhal Cabaceiras, em Marabá – ambas da família Mutran. As três propriedades têm acampamentos do MST e são reivindicadas para a reforma agrária. De acordo com o Incra, as áreas em que é possível construir assentamentos somam 15.473 hectares, o suficiente para abrigar mais de 300 famílias.

Apesar das três fazendas já terem processos no Incra para destinação à reforma agrária, o superintendente do órgão em Marabá, Raimundo Oliveira, garante que com a posse da nova governadora, Ana Júlia Carepa (PT), tudo vai ser mais rápido. "Em três meses de governo, fizemos o que não pudemos fazer em 12 anos."

O MST recebe a promessa com um pé atrás. De acordo com Ayala Ferreira, uma das líderes estaduais do movimento, já houve muitas promessas em relação a essas terras, mas pouco foi feito. "Anunciar é uma coisa, implementar é outra. Ficarmos parados esperando é que não vamos", alerta.

Despejo em terra pública
Na Rio Vermelho, há um ano, cerca de 400 pessoas vivem no acampamento João Canuto, pressionando o Incra para que seja feita a desapropriação. Eles já foram despejados uma vez, mas voltaram ao local. De acordo com Raimundo, o órgão está analisando os títulos de terra da propriedade, e já comprovou que pelo menos 2.084 hectares da fazenda pertencem à União, inclusive a maior parte do local onde moram as famílias do MST.

"Essa área não é contínua, mas nós já conversamos com o proprietário, e há uma disponibilidade de fazer uma permuta para poder juntar essas duas áreas", afirma Raimundo. De acordo com o superintendente, nessas terras seria possível assentar entre 50 e 70 famílias. Por enquanto, ele não quer informar quanto tempo o processo vai demorar, já que os Quagliato podem recorrer na justiça, emperrando o processo.

Em 1996, um grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou 167 pessoas em situação análoga à escravidão na fazenda Rio Vermelho. Na mesma operação, 81 trabalhadores foram libertados na fazenda vizinha, a Colorado, que também pertence aos Quagliato.

Degradação
Na fazenda Peruano, a situação é semelhante. Segundo o MST, há cerca de 600 famílias vivendo no acampamento Lorival Santana, instalado lá há três anos. De acordo com o Incra, há 3.615 hectares de terras que pertencem ao estado do Pará e que serão arrecadadas e destinadas à reforma agrária.

Como as terras são estaduais, quem tocará o processo será o Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Segundo Flávio Mansor, diretor jurídico do órgão, faz apenas um mês que o Instituto chegou à conclusão de que a área pertence realmente ao Estado. O primeiro passo, de acordo com ele, será eliminar essas terras da ação de reintegração de posse que os Mutran moveram contra o MST. A partir daí, o local será arrecadado pelo estado do Pará e destinado à reforma agrária.

"Um grande problema da Peruano é que a terra está totalmente degradada. teremos que recuperar grande parte dessa área para conseguir fazer um assentamento ecologicamente sustentável", prevê Flávio.

A fazenda ganhou projeção nacional quando em março de 2006 o MST destruiu um laboratório de inseminação artificial e incendiou uma parte da sede da fazenda. A ação ocorreu em reação ao despejo ilegal das 400 famílias que ocupavam a Rio Vermelho. A Peruano também já foi palco de libertação de trabalhadores escravos. Em dezembro de 2002, o MTE encontrou 54 pessoas vivendo lá sob maus-tratos e cerceamento da liberdade.

Pagamento recorde
A Cabaceiras é a única fazenda que poderá ser integralmente destinada à reforma agrária. Em outubro de 2004, o presidente Lula assinou um decreto permitindo que o Incra promovesse sua desapropriação. Pela primeira vez no Brasil, uma das justificativas foi a de que a terra não cumpria sua função social trabalhista e ambiental, pois no local o MTE já havia flagrado o uso de mão-de-obra escrava por duas vezes.

A empresa Jorge Mutran, proprietária da fazenda, recorreu à Justiça, e hoje o caso está no Supremo Tribunal Federal. Raimundo, porém, informa que o Incra fez uma nova vistoria no local e entrará novamente com um processo administrativo. "Os índices de produtividade são insuficientes. Além disso, há também a questão do trabalho escravo e problemas ambientais."

Em agosto de 2002, o MTE encontrou 22 trabalhadores escravos na Cabaceiras. Um ano e sete meses depois, 13 pessoas foram encontradas na mesma condição. A reincidência custou caro aos Mutran. Em um acordo com o Ministério Público do trabalho e a Justiça do Trabalho, eles desembolsaram R$ 1.350.440,00, a maior indenização já paga por esse tipo de crime.

Parte da fazenda é ocupada desde 1999 pelo MST. De acordo com o movimento, vivem lá hoje 230 famílias no acampamento 26 de Março.

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