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Incra promete destinar fazendas flagradas com escravos à reforma agrária

Área total soma 15.473 hectares, o suficiente para assentar mais de 300 famílias. Justificativa é que parte das terras são griladas, improdutivas ou não respeitam legislação trabalhista. Líder do MST diz que vai aguardar medidas concretas

Três fazendas do Sul do Pará que já foram flagradas utilizando trabalho escravo vão ter parte de suas terras destinadas à reforma agrária. Essa foi a promessa do presidente do Incra, Rolf Hackbart, feita nesta terça-feira (17) durante ato que lembrou o assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA).

As propriedades são a fazenda Rio Vermelho, localizada no município de Sapucaia e pertencente à família Quagliato, a fazenda Peruano, em Eldorado dos Carajás, e a Castanhal Cabaceiras, em Marabá – ambas da família Mutran. As três propriedades têm acampamentos do MST e são reivindicadas para a reforma agrária. De acordo com o Incra, as áreas em que é possível construir assentamentos somam 15.473 hectares, o suficiente para abrigar mais de 300 famílias.

Apesar das três fazendas já terem processos no Incra para destinação à reforma agrária, o superintendente do órgão em Marabá, Raimundo Oliveira, garante que com a posse da nova governadora, Ana Júlia Carepa (PT), tudo vai ser mais rápido. "Em três meses de governo, fizemos o que não pudemos fazer em 12 anos."

O MST recebe a promessa com um pé atrás. De acordo com Ayala Ferreira, uma das líderes estaduais do movimento, já houve muitas promessas em relação a essas terras, mas pouco foi feito. "Anunciar é uma coisa, implementar é outra. Ficarmos parados esperando é que não vamos", alerta.

Despejo em terra pública
Na Rio Vermelho, há um ano, cerca de 400 pessoas vivem no acampamento João Canuto, pressionando o Incra para que seja feita a desapropriação. Eles já foram despejados uma vez, mas voltaram ao local. De acordo com Raimundo, o órgão está analisando os títulos de terra da propriedade, e já comprovou que pelo menos 2.084 hectares da fazenda pertencem à União, inclusive a maior parte do local onde moram as famílias do MST.

"Essa área não é contínua, mas nós já conversamos com o proprietário, e há uma disponibilidade de fazer uma permuta para poder juntar essas duas áreas", afirma Raimundo. De acordo com o superintendente, nessas terras seria possível assentar entre 50 e 70 famílias. Por enquanto, ele não quer informar quanto tempo o processo vai demorar, já que os Quagliato podem recorrer na justiça, emperrando o processo.

Em 1996, um grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontrou 167 pessoas em situação análoga à escravidão na fazenda Rio Vermelho. Na mesma operação, 81 trabalhadores foram libertados na fazenda vizinha, a Colorado, que também pertence aos Quagliato.

Degradação
Na fazenda Peruano, a situação é semelhante. Segundo o MST, há cerca de 600 famílias vivendo no acampamento Lorival Santana, instalado lá há três anos. De acordo com o Incra, há 3.615 hectares de terras que pertencem ao estado do Pará e que serão arrecadadas e destinadas à reforma agrária.

Como as terras são estaduais, quem tocará o processo será o Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Segundo Flávio Mansor, diretor jurídico do órgão, faz apenas um mês que o Instituto chegou à conclusão de que a área pertence realmente ao Estado. O primeiro passo, de acordo com ele, será eliminar essas terras da ação de reintegração de posse que os Mutran moveram contra o MST. A partir daí, o local será arrecadado pelo estado do Pará e destinado à reforma agrária.

"Um grande problema da Peruano é que a terra está totalmente degradada. teremos que recuperar grande parte dessa área para conseguir fazer um assentamento ecologicamente sustentável", prevê Flávio.

A fazenda ganhou projeção nacional quando em março de 2006 o MST destruiu um laboratório de inseminação artificial e incendiou uma parte da sede da fazenda. A ação ocorreu em reação ao despejo ilegal das 400 famílias que ocupavam a Rio Vermelho. A Peruano também já foi palco de libertação de trabalhadores escravos. Em dezembro de 2002, o MTE encontrou 54 pessoas vivendo lá sob maus-tratos e cerceamento da liberdade.

Pagamento recorde
A Cabaceiras é a única fazenda que poderá ser integralmente destinada à reforma agrária. Em outubro de 2004, o presidente Lula assinou um decreto permitindo que o Incra promovesse sua desapropriação. Pela primeira vez no Brasil, uma das justificativas foi a de que a terra não cumpria sua função social trabalhista e ambiental, pois no local o MTE já havia flagrado o uso de mão-de-obra escrava por duas vezes.

A empresa Jorge Mutran, proprietária da fazenda, recorreu à Justiça, e hoje o caso está no Supremo Tribunal Federal. Raimundo, porém, informa que o Incra fez uma nova vistoria no local e entrará novamente com um processo administrativo. "Os índices de produtividade são insuficientes. Além disso, há também a questão do trabalho escravo e problemas ambientais."

Em agosto de 2002, o MTE encontrou 22 trabalhadores escravos na Cabaceiras. Um ano e sete meses depois, 13 pessoas foram encontradas na mesma condição. A reincidência custou caro aos Mutran. Em um acordo com o Ministério Público do trabalho e a Justiça do Trabalho, eles desembolsaram R$ 1.350.440,00, a maior indenização já paga por esse tipo de crime.

Parte da fazenda é ocupada desde 1999 pelo MST. De acordo com o movimento, vivem lá hoje 230 famílias no acampamento 26 de Março.

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2 Comentários

  1. ROZILEIDA MACHADO

    O Incra está fazendo um belo trabalho com o assentamento de famílias que lutam por um pedaço de terra onde possa se situar e promover o sustento de seus familiares, dignamente, afinal vivemos num País rico onde senão há distribuição de renda igualitária mas porém promove Projetos e perspectivas reais onde nossos patriotas possam viver bem e com orgulho de nossos governantes. Oh Brasil de tantas riquezas e de tão imensa geografia …. acolhe e sustenta tua própria Nação Brasileira….. Oh Patria amada.

  2. ROZILEIDA MACHADO

    E, diante dos esforços vamos unir forças e distribuir conhecimentos aos que querem , recebem e dela fazem bom uso , da terra que tanto almejam.. Cadê as parcerias da agricultura…. ao tempo certo em que o pequeno agricultor possa se inserir e buscar conhecimentos alem de recursos para promover a sustentabilidade em consonancia com a preservação natural, com acessibilidade aos orgãos direcionados sem burocracia, Parabens BRASIL. Podemos dizer que agora sim, cuida dos Homem do Campo, promovendo a harmonia e bem estar social, moral e financeiro. Isso é o Brasil rumo a novos tempos,